Pimentel, Alberto
Poemas her6i-c6micos
portugueses
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ALBERTO PIMENTEL
bemas Herói-Cómicos
Portugueses
(VERBETES E APOSTILAS)
EDITORES
RENASCENÇA PORTUGUESA - PORTO
ANNUARIO DO BRASIL — RIO DE JANEIRO
ROBERT E. CAIVIN
BOX 2201 STATION A
CHAMPAIGN III. 61820 O&Ai
Reservados todos os direitos de reprodução nos
países que aderiram à Convenção de Berne;
Portugal: Decreto de 18 de Março de 1911;
Brasil: Lei n.^ 2577 de 17 de Janeiro de 1912.
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yt^X:
POEMAS HERÓI -CÓMICOS
PORTUGUESES .
DO AUTOR:
Do porial à Oamboia, 2.^ edição. 1913.
Memórias do tempo de Camilo. 1913.
Pena de Talião, poema herói-cómico. 1913.
A corte de D. Pedro ÍV, 2.^ edição. 1914.
Notas sobre o «Amor de Perdição». 1915.
O Arco de Vandòma, romance. 1916.
A Praça Nova. 1917.
Terra prometida, romance. 1918.
O melhor casamento, romance. 1921.
O torturado de Seide (Camilo Castelo Branco). i921.
Poemas herâi-cámicos portugueses (Verbetes e Apostilas).
ALBERTO PIMENTEL
Poemas Herói-Cómicos
Portugueses
(VERBETES E APOSTILAS)
EDITORES
RENASCENÇA PORTUGUESA — PORTO
ANNUARIO DO BRASIL — RIO DE JANEIRO
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SEP 28 1967
v-
AO LEITOR
Jr ASSEI longínquos anos da vida— e não
os choro porque foram os mais felizes
— coleccionando fugitivas curiosidades lite-
rárias, quási esquecidas, entre elas os nos-
sos poemas herói-cómicos, dos quais apenas
um, o Hissope, andava na boca de toda a
gente.
Tive ocasião de verificar que não eram
tão poucos como eu supunha, nem alguns
eram tão valiosos que pudessem justificar a
sua raridade.
Passaram. Este verbo explica muitas coi-
sas inconfessáveis em letra redonda.
Feita a colecção fiz o inventário respec-
8 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
tivo, expungindo unicamente as torpezas por-
nográficas, e hoje o dou a lume também
como simples curiosidade^literária.
Penso que o poema herói-cómico, para
que em verdade o seja, deve especializar-se
pelo desenvolvimento integral duma acção
atribuída a um ou mais indivíduos, e siste-
maticamente "exagerada com o propósito de
fazer rir.
Mas a intenção drolática de qualquer nar-
rativa jocosa, em verso permitir-me há, ao
menos por extensão e tolerância, incluí-la na
resenha dos poemas herói-cómicos.
A
AGOSTINHEIDA, poema herói-cómico em 9 cantos.
Londres, 18Í7. Há segunda edição feita em Lisboa, me-
nos correcta e limpa; e terceira edição estampada em
Barcelos (1876) por iniciativa do dr. Rodrigo Veloso.
O autor foi Nuno Alvares Pereira Pato Moniz,
inimigo irreconciliável do Padre José Agostinho de
Macedo/ e o assunto é a vida e feitos deste Padre:
Eu, que, nos sons de Clio, ou nos de Euterpe,
Ou já nos de Melpómene cantava
Prazeres, e paixões, virtude, e gloria;
Agora, zombeteiro flauteando,
Canto o Camões da Rua da Bombarda
Que, d'Epico furor doudo varrido,
Poz do Velho Camões a calva á-mostra,
Expondo aos Mares novamente o Gama.
Este breve excerto basta a dar medida do tom
geral da composição e do seu valor literário, que é
incontestável.
10 POEMAS HEROI-COMICOS ^
A opinião pública tem colocado a Agostinhcida no
segundo lugar dos nossos poemas herói-cómicos, logo
depois do Hissope. E eu creio que deve ser assim.
Como sátira pessoal, se nào sobe ao diapasão in-
flamado de Bocage, porque Moniz tem menos estro e
pulso, sustenta contudo galhardamente o fogo da
bateria.
Na obra literária de Moniz como na sua vida par-
ticular ou política, encontra-se sempre «um carácter»,
que não' recua deante dum indefesso trabalho de polí-
grafo, não empalidece de susto deante das arremetidas
selvagens do Padre José Agostinho, nem verga ao
peso das próprias responsabilidades quando ataca ou
quando se defende no livro, no palco e no jornal.
Nisto está em contradição plena com o seu fogoso
adversário, que foi sempre «a ausência de um ca-
rácter».
Inocêncio, a quem se nào pôde deixar de reconhe-
cer certa inclinação para José Agostinho — e tanto que
escreveu as suas Memórias e reiiniu materiais para
uma edição das suas obras inéditas — diz que na
Agostinheida há «transposições de tempo, de envolta
com asserções tão manifestamente falsas, que tornam
sobremaneira duvidoso, se não inacreditável, o mais
que o auctor avança» ^.
Isto escreve Inocêncio a propósito do episódio
amoroso do Padre com a freira de Cóz, contado no
canto V da Agostinheida,
1 Memórias, pág. 16.
PORTUGUESES 1 1
Que importa que haja transposição de tempo?
Um poema herói-cómico não é um calendário nem
uma sequência cronológica de décadas. Tudo quanto
possa dar relevo à figura do protagonista, e de algum
modo lhe desenhe, pinte e defina o carácter, tem
cabimento em qualquer lugar, contanto que lhe não
falte um fulcro de verdade ou pelo menos de coe-
rência.
Ora, justamente nas Memórias se encontra a notí-
cia de que o Padre José Agostinho, depois dos seus
amores com a actriz Maria Inácia da Luz (e é esta uma
das páginas mais vergonhosas da biografia' do Padre)
arrastou a asa a certa freira de Odivelas, à qual atrai-
çoou com uma religiosa de Coz, Maria Cândida do
Vale \ e com esta, que por causa dele abandonou o
convento, viveu em íntimas relações até à morte e a
fez herdeira do seu esj ólio '^.
^ Aqui temos o facto basilar do episódio da Agosti-
nheida: pouco importa a transposição da época.
Hoje, que estão publicadas as Memórias e as Obras
inéditas coligidas por Inocêncio, se as confrQntarmos
com a Agosfinheida, reconhece-se que Pato Moniz foi
mais verdadeiro do que era de esperar numa sátira
violenta.
1 Memo fias, pág. 103.
2 Ê notável este último facto, tanto mais que o Padre, nos
últimos anos de vida, em correspondência amorosa com uma freira
do Rato, metia a ridículo Maria Cândida por causa dos unguentos
c trapos com que ela pensava um aneurisma no pescoço. -
Que flagrantes e revoltantes contradições !
12 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
ANTÓNIO CARO, poema fieroe-cômico por Souza
Portugal e Maurício d'Athayde. — Lisboa — 1879.
Esta composição prometia ser a primeira de uma
série sob o título geral de Charlatães contemporâneos,
O protagonista é o ilustre homem de estado Antó-
nio Maria de Fontes Pereira de Melo.
Numa carta preliminar conta Sousa Portugal que,
tendo sido sargento do exército e requerendo a sua
readmissão no serviço militar, Fontes lha negara.
Acrescenta que durante 13 anos teve esta dívida em
aberto, mas que, encontrando um colaborador no seu
amigo Maurício de Ataíde, resolve pagá-la com um
poema herói-cómico, — embora, «em verso de pé que-
brado», palavras suas.
São 5 cantos — em 97 páginas.
B
BALÃO (O) aos habitantes da lua. Poema, herói'
-cómico em hum só canto. Por José Daniel Rodrigues da
Costa. Lisboa, na Impressão Régia. Ano 1819.
Compõe-se de um prólogo em verso decassílabo
pareado e de 80 estâncias.
O assunto é a viagem de um aeronauta à lua e ã
descrição dos usos e costumes estabelecidos entre os
habitantes daquele planeta.
A graça do poema — e alguma tem realmente —
PORTUGUESES 13
está em passar-se na lua justamente o contrário do
que se passa na terra.
Por exemplo:
Temos quem nos governe com respeito,
Com justas Leis, que sobre nós impérâo,
Tudo, quanto se manda, he logo feito,
Porque as Leis do paiz nunca se altérao.
Este mundo he da Lua, e mui perfeito,
Onde os raios do Sol mais reverbérão;
E por nosso brasão nos nossos planos,
Chamão-se a estes Povos os Lulanos.
O nosso Herói, que ao longe descobria
A Praça, que servia de Ribeira,
Lhe perguntou se sempre se comia
Peixe fresco da mão da vendedeira?
Disserão-lhe que sim, porque ha vigia.
Que manda o peixe podre á montureira ;
Que o dono soffre á força esta differença;
Mas que o Povo não compra uma doença.
Que nos açougues ha igual revista.
Nas tendas, padarias, e nas fructas,
Que estas em sendo verdes, mesmo á vista
De seus donos se pizão sem disputas;
Ninguém com estas cousas se malquista,
Que ha para as regular certas minutas,
Que assim a gente vive satisfeita,
Porque quanto se compra, se aproveita.
José Daniel foi; como se sabe, um gracejador po-
pular e nào um escritor ilustrado; mas na sua graça
há observação e, por isso, uma eterna oportunidade.
Do Balão fez-se uma edição no Brasil em 1821.
14 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
BANHEIDA (A) Porto, 1849.
Nunca pude encontrar este poema herói-cómico.
Vi-o, apenas, mencionado no catálogo da livraria
Moreira Cabral (Porto), 2.^ parte, n.° 4834. Aí se diz
que é um poema épico e que o autor se inculca um
poeta do Maffo (sic).
No catálogo dã livraria Fernandes Tomás (Lis-
boa, 1912) A Banheida vem classificada como poema
herói-cómico, sendo a data e o lugar da impressão os
mesmos que no catálogo Moreira Cabral, mas sem
referência nenhuma ao pseudónimo que o autor
usou.
BATOTEIDA (A) Vi este poema herói-cómico em
manuscrito na Livraria Antiga e Moderna, de Lisboa.
Suponho-6 inédito; e autógrafo em razão das
muitas emendas feitas com a mesma letra do texto.
O poema tem seis cantos em verso solto, decassí-
labo, sem notas e sem nome de autor.
Principia assim :
Eu canto o gran-Batota, o sábio, o illustre
Varão, cuja alma de chicharro podre
Illuminou das lettras o areópago
Como candeia, que, affogada em borras,
Dá fosca luz n'um canto da cozinha.
Musa de Elpino, afina-me a bandurra;
Enchota-me do cérebro as ideias,
Que álapardadas, somnolentas, monas
Lá jazem, como jazem regateiras
' ^ Criminosas, do Aljube nos recessos.
Eu cantar nâo pretendo os Alexandres,
PORTUGUESES 15
Que os bucephalos bravos esporeiam,
Da guerra meneando o facho ardente.
Heroes-vampiros, que de sangue nutrem,
Merecem maldições e não poemas.
Eu intento cantar, em verso chocho,
Heroe, que inspira gargalhada ás turbas, *
Heroe, meão de corpo e de bestuto,
Frascario e tonsurado Dom Quichote,
Pimpão das lettras e também das tretas,
Mas pimpão que faz rir ! . . .
Por esta proposição se apura que o herói é um
padre dado a trabalhos literários; e como a letra do
poema é moderna, certamente do século XIX, dentro
deste mesmo século devemos investigar a identidade
do herói.
Mas, a breve trecho, surge-nos uma indicação se-
gura:
Quero que consultando Mané Coco,
Do beco do Monete as chinelleiras,
E os annaes de Petisco e Despauterio,
Lances ao prelo diccionario hydropico.
Onde definas a balea-peixe. . .
Aqui estão trancados a lápis dois versos, mas é
fácil ainda lê-los:
Do gen'ro dos mamães (sic) e da ordem
Dos cetáceos (esta ordem é desordem !)
Não contando com aqueles dois versos, que aliás
r
16 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
de tanto auxílio nos foram para descobrirmos o autor,
também os seguintes continuam a esclarecer-nos, refe-
rindo-se ao dicionário:
Onde de caganita os derivados
Encham nem mais nem menos que mil paginas;
E onde emfim deixes a escorrer em sangue
A lingua e o bom-senso. Mais pretendo
Que original grammatica publiques,
Onde impinjas á infância incauta e ignara,
Que ha certas orações com dois sujeitos!
Não é preciso mais: está descoberto o herói do
poema: é D. José Maria de Almeida e Araújo Corrêa
de Lacerda, que foi deào da Sé Patriarcal de Lisboa,
deputado em várias legislaturas, sócio da Academia
Real das Sciências, etc.
No seu Díccionario da lingua portugueza, feito so-
bre o de Eduardo de Faria, encontra-se efectivamente
a seguinte definição de baleia: «peixe marinho do gé-
nero dos mammais e da ordem dos cetáceos, etc.»
Os derivados de caganita não ocupam mil pági-
nas como diz jocosamente o autor do poema, mas
nenhum fica decerto no tinteiro.
Quanto à gramática, é certo ter D. José de La-
cerda composto uma, que serviu de introdução ao
dicionário, e foi reproduzida em separata no ano
de 1859.
Isto pelo que respeita ao herói.
Relativamente ao autor, não sei quem fosse, mas
devia ser homem de letras: metrificava correntemente.
PORTUGUESES
17
manejava bem a língua portuguesa, e as repetidas
emendas representam gosto e apuro.
Alguns episódios teem graça e vivacidade cómica.
BENTEIDA, poema heroi-comico em 3 cantos por
Alexandre António de Lima.
A 3.^ edição deste poema apareceu em Barcelos
no ano de 1876, por iniciativa do dr. Rodrigo Veloso.
Na 1.^ edição (1752) ^ o poema tinha o sub-título
de «ou nova matamorphose» e dizia-se produção de
Andronio Meliante Laxaed, que é o anagrama do autor.
Da 2.^ edição dá notícia o bibliógrafo Inocêncio.
A Benteida, composta em oitava-rima, tem sido
apreciada com favor e desfavor, mas os votos emiti-
dos por José Agostinho de Macedo, Inocêncio, Rebelo
da Silva e Teófilo Braga, se não são de aplauso in-
condicional, são favoráveis ao autor e ao poema.
assunto peca principalmente por nos ser obscuro
hoje.
Segundo o Argumento, trata-se de um Bento Antó-
nio, natural de Elvas e grande cultor de Baco, o que
dá lugar, melhor do que na Santarenaida, a. disputas
entre Baco e Netuno, aquele propício ao seu devoto,
este irado contra êle.
Bento António foge à família e vem para Lisboa,
onde encontra a protecção da condessa de Alva.
Um dia, arrependido de haver adoptado o culto
do Baco, acha-se na contingência de ter que sofrer
1 Constantinopla, na Officina (sic) Bigodiana.
18 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
não SÓ a cólera do deus da água, mas também a do
deus do vinho.
Tanto Netuno como Baco vão pedir a Júpiter que
os vingue, mas o Tonante, atenta a alta protecção da
condessa, nega-lhes auxílio.
Então Baco converte Bento António em mulher
feia, e Júpiter modera este castigo, permitindo que
seja formosa.
Dona Benta chega a ser açafata na corte.
Tal o Argumento.
Quem era Bento António? Trata-se de uma alego-
ria ou de uma realidade? fere-se uma personagem
acusada de inversão sexual ou retrata-se apenas um
paranóico popular, que chegou a vestir-se de mulher?
Inclino-me para esta última hipótese, porque, em
as notas, aliás pouco elucidativas, que seguem o poe-
ma, se diz que Bento António era perseguido pelo
rapazio das ruas, que «por zombaria» se lhe mandou
passar o alvará de açafata, e que na sua opinião o
grilo e a rã cantavam muito bem.
Como quer que seja, à parte os ressaibos da es-
cola gongórica, defeito ainda subsistente naquela
época, o poema tem valor.
A descrição de Baco e de Netuno no 1.° canto^
o retrato do herói e a sua navegação para Samora
no 2.°, o diálogo dos deuses e a metamorfose de Bento
António no 3.^ são, em verdade, bem tratados, e ainda
hoje apreciáveis.
Alexandre António de Lima nasceu em Lisboa nc
ano de 1699 e foi sócio de academias.
PORTUGUESES iq
BISNAGA ESCOLÁSTICA, composição incluída
na Macarronea latino-portugueza, do mesmo autor de
Calouriados.
Canta as antigas batalhas travadas a murro e ca-
lhau entre os rapazes do Bairro Alto e Alfama nas
encostas da Cotovia em Lisboa.
Musa mihi memora, quae Alfamae causa Ranhêtam,
Ac Bairraltensem Espantam tot volvere seixos,
Insignes marotice tolos, tot rompere cascos
Impulent. Tantaene animis mamotibus irae !
Veja-se Macarronea latino-portugueza.
BOLHA (A).
A Bolha (Resposta á Niveleida, ao espectáculo e ao
Nivel Académico, três semsaborias distinctas, e nenhuma
de geito.)
Sem nome de autor, nem lugar e data de impres-
são. Mas sabe-se que foi impressa em Coimbra no
ano de 1886.
É uma paródia ao canto 1.° dos Lusíadas.
E abre assim:
Os grandes paspalhões assignalados, etc.
BRAVO (O) forneiro viajante, Lisboa, 1852.
Apenas conheço este poema pela menção que faz
dele, entre outros poemas herói-cómicos, o catálogo
da livraria Fernandes Tomás (Lisboa, 1912) a pág.
386, n.'^ 5955.
20 POEMAS HEROI-COMIDOS
BUI^ROS (OS) ou o reinado da Sandice, poema
heroi-comico, satyrico, em seis cantos, por J. Agostinho
de Macedo.
A última edição é do Porto, 1902. A primeira
fez-se em Paris, 1827; ainda durante a vida do autor,
e saiu profundamente alterada; o mesmo aconteceu
à edição de 1835 também feita em Paris, bem como
àquela que principiou a estampar-se em Lisboa no
ano de 1837, a qual aliás não passou do 2.®
canto.
Assim, pois, dizia Inocêncio em 1860 (tomo IV do
Dicc. Bibl.) que este poema podia considerar-se iné-
dito, e que existiam muitas cópias dele, mas todas
discordes entre si.
O livreiro portuense António Rodrigues da Cruz
Coutinho possuía uma dessas cópias, e foi sobre ela
que se fez aquela edição de 1 902. No Aviso do editor
pede-se aos possuidores de outras cópias o favor de
darem conhecimento de quaisquer variantes ou cor-
recções.
Esta edição do Porto não é, em verdade, isenta
de manifestos defeitos.
Todas as elaborações por que o poema tem pas-
sado resultaram, a meu vêr, não de erros acidentais
dos copistas, mas das ensanchas que ele deu, e dá, a
introduzirem-se-lhe, por espírito de vingança ou male-
volência, novas passagens e alusões pessoais.
Os Burros são um poema que pode alterar-se ou
continuar-se em qualquer época, metendo-se dentro
dele toda a gente a quem qualquer fazedor de verso
PORTUGUESES 21
solto, dispondo de ânimo bilioso, queira denegrir ou
injuriar.
isso mesmo fez o Padre José Agostinho que, de-
pois de ter escrito o poema, o foi aumentando entre
os anos de 1812 a 1814, para que lhe nào escapas-
sem mortos e vivos, mulheres e homens, frades e frei-
ras, políticos, padres, médicos, escritores, os amigos
dos seus inimigos, e os inimigos nào dos seus amigos
— mas dele próprio.
E nào só o aumentou, mas também o alterou ao
sabor das suas violentas paixões e das circunstâncias
de momento.
Daremos um exemplo.
Como houvesse muitos queixosos do poema, a
Intendência Geral de Polícia mandou abrir devassa
contra o autor.
José Agostinho, sobressaltado, expungiu dos Bur-
ros os nomes de todas as pessoís de maior valimento,
e as mais cruas obscenidades e injúrias.
Depois apresentou na Intendência um exemplar
adrede desfigurado, declarando que assim o escrevera,
e nào como os seus inimigos lho atribuíam.
Que miserável estratagema! A Intendência fingiu
acreditar, graças à intervençào de Ricardo Raimundo
Nogueira em favor do Padre, que continuou a servir-
-se impunemente do poema como de uma navalha de
ponta e mola — que ora abria, ora fechava.
Sob este ponto de vista. Os Burros são um poema
abominável; e à arte pouco êle deve, porque em ver-
dade se pode considerar uma estopante maçadoria.
22 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Contudo, o Padre José Agostinho, sempre vanglo-
rioso e empavonado, nào duvidou dizer:
Se o Sena tem Lutrí ts, tem Lysia os Burros.
E na Prefação orgulha-se de haver produzido «um
verdadeiro poema, de um género único» e com a
«mesma veemência de Juvenal».
O Padre, que até ousou medir-se com Luís de
Camões e com Barbosa du Bocage, era um odre de
vaidade, Deus lhe perdoe.
Nos Burros pretendeu nivelar-se com Juvenal; mas
apenas igualou qualquer boçal arrieiro, nos senlimen-
tos e na linguagem.
Diz êle que o seu herói é João Bernardo Loureiro
da Rocha, porque o julgi o mais asno de todos os
asnos; e que as outras suas vítimas figuram apenas
como satélites daquela, embora pareçam maiores. Sem
embargo, nào será fácil dizer qual das personagens é
mais azorragada ou menos ferida.
O ódio do Padre Macedo a Joào Bernardo proveio
deste ter sido ^liberal, amigo íntimo de Pato Moniz,
e ainda talvez da Regência de 1820 o haver nomeado
cronista-mór do reino.
O autor dos Burros prometeu uma série de notas
ao poema, para que os pósteros e os presentes nào
pudessem ter dúvidas quanto às personagens e suas
acções.
Quem desempenhou essa ingrata tarefa, ainda em
vida do autor, foi Francisco de Paula Ferreira da
PORTUGUESES 23
Costa, seu amigo, que coligiu 1509 notas e também
as variantes dos ' Burros em 3 grossos volumes ma-
nuscritos.
Parece que era principalmente sobre este abun-
dante cabedal que Inocêncio projectava trabalhar uma
edição integral do poema.
Mas não chegou a realizar o projecto, porque
Ferreira da Costa vendeu os manuscritos ao biblió-
mano Pereira Merelo, adversário irreconciliável de
Inocêncio.
Por morte de Pereira Merelo vendeu-se em leilão
a sua livraria. Creio que foi o sr. visconde da Espe-
rança quem arrematou os papeis que diziam respeito
a José Agostinho de Macedo.
Vide Agcstinheida, Coireiada e Mariolada.
C
\
CABULOGIA (A).
Compreende, além de outras composições, uma
paródia ao canto do Camões, de Garrett.
Foi impressa em Coimbra, 1844, um ano antes
do autor desta paródia concluir o curso jurídico.
E quem era o seu autor? António Maria do Couto
Monteiro, que teve aquela cidade por berço no ano
de 1821.
Conheci Couto Monteiro em Lisboa, onde foi aju-
24 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
dante do Procurador Geral da Coroa e ministro da
Justiça.
Era homem ^alegre, talentoso e muito ilustrado.
Pertenceu à Academia Real das Sciências.
Castilho, na Revista Universal Lisbonense (Janeiro
de 1845) saudou a aparição da famosa paródia com
justo aplauso:
«Não conhecemos o poeta author d'este brinquedo
métrico; mas nàb é necessário ser um adivinhào para
dizer que é um estudante nào caloiro em poesia, e
que nào foi hoje nem hontem que se estreou o seu
salgado tinteiro».
Assim era, com efeito.
Toda a paródia tem por assunto as torturas e pe-
sadelos da vida académica:
Correi sobie esta meza carunchosa,
laoTÍ;nat> tristes milhas, borrifae-a, '
qne o pezo do Digesto a tem quebrado.
Cábula mi:iha pachorrenta e gòria,
<jquem entre as folhas te expremeu dos livros?
O viço de meus olhos se ha murchado
nas fa'igas, iio ardor sevo do estudo;
extranhos nomes, ignoradas tretas,
bárbara asneira vi, cahi no somno,
penei apoquentado entre maçadas,
vaguei sósinho, em cólicas fervendo,
por essas aulas onde mora o suso.
Tudo soffri na esp'rança de um feriado.
Mas no instante de havel-o, toca o sino,
Cábula minha pachonenta e gcrda,
^quem entre as folhas te expremeu dos livros?
PORTUGUESES 25
Longe, á tarde, por margens do Mondego,
na soidào melanco^ca do Al.négre,
ouvi berrando a negregada cabra,
e de ouvil-a tremeu minha preguiça.
Este excerto bastará para dar medida do valor in-
contestável da composição.
O conselheiro António Maria do Couto Monteiro,
que desde 1879 fora par do reino, faleceu em Lisboa
no dia 1 de março de 1896.
Conta Gomes de Amorim que o visconde de Al-
meida Garrett, quando ouviu pela primeira vez reci-
tar aquela paródia, ficou agradavelmente surpreendido
e disse:
— Isso é bom.
Completam a Cabulogia alguns sonetos e outros
versos de Luís de Bessa Correia, entào também estu-
dante de Direito em Coimbra.
CAFRE (O) Dizem-me que o dr. José Carlos Lo-
pes, do Porto, adquirira este poema em manuscrito
^ para a sua livraria; que o autor do poema foi Joaquim
da Costa Lima Júnior, quando estudante, — depois
professor de arquitectura civil na Academia Portuense
de* Belas Artes e arquitecto da Camará Municipal
daquela cidade — e que o protagonista é o então di-
rector da mesma Academia, posteriormente nomeado
para igual cargo na Academia Politécnica.
O poema, composto em decassílabos pareados, tem
valor literário, como pude verificar por um excerto.
O autor cultivava as musas com espontaneidade e
"26 POEMAS HEROI-COMICOS
<:orrecção. Bosquejou-lhe a biografia António Augusto
Teixeira de Vasconcelos e publicou-a com a de outro
arquitecto portuense, Manuel José Carneiro, num
opúsculo impresso no Pôrtb em 1866, tào raro que o
nào cita Inocêncio, e de que eu apenas tive conheci-
mento pelo catálogo da livraria do. Professor Quilher-
me António Cgrreia (1908).
Posteriormente pude adquirir um exemplar em
Lisboa.
CALOURÍADOS.
É uma das três composições que destacamos da
Macarronea latino-portugueza.
Pode sem violência considerar-se poema herói-
-cómico, escrito num só canto, ou mais propriamente
cantas anicas, para conservarm.os a mesma linguagem
do autor.
O assunto está enunciado no seguinte argumento:
Describitur jornata cajusdam Calouri venientis ad Coim-
bram, et inde regressas ad saam casalem.
E o herói é Joào Fernandes, que personaliza o
tipo comum do calouro montezinho.
Sobre o valor desta, e das outras duas composi-
ções, veja-se a rubrica Macarronea latino-portugueza.
CALOURO (O) poema satyrico de costumes — por
J. V. — Porto, 1872.
O protagonista é o tipo escolar do Calouro no
Porto.
O autor foi Joào António Vieira, natural de Fán-
PORTUGUESES 27
zeres (concelho de Gondomar), que estudou naquela
cidade, primeiro como interno no Colégio dos Órfãos,
depois no Liceu Nacional e por último no Seminário
Diocesano. Contudo nào se ordenou padre. Retirou-se
do Porto para a sua aldeia, e lá morreu.
O poema, que o autor declara ter sido escrito
quando frequentava os estudos teológicos, revela faci-
lidade de composição, mas pouco esmero literário na
factura métrica.
E a revisão tipográfica foi também muito des-
curada.
CAMÕES EM COIMBRA, por um académico. Coim-
bra, 1881.
O autor chama-lhe «poema realista». Mas é uma
sátira, pessoal e acerba, aos estudantes promotores dos
festejos com que a acadjmia de Coimbra comemorou
o terceiro centenário da morte de Camões.
CAMPANHA (A) do ôvo — Porto, 1898.
No catálogo da livraria Fernandes Tomás encon-
trei esta indicação bibliográfica, sob o n.° 3979 (poe-
mas herói-cómicos).
Mas nas livrarias e alfarrabistas do Porto ninguém
me pôde dar notícia de qualquer poema herói-cómico
deste título.
CARTÍADA (A).
Vi uma cópia deste poema em Sesimbra. Pertence
ao sr. Marqjes Pólvora, que me permitiu a sua leitura.
28 POEMAS HEROI-COMICOS
O autor subscreve-se Afonso Mendes d' Odemira e
Pina, mas foi António Maria d' Oliveira Parreira, eru-
dito autor dos Luso-arabes e professor do Liceu Ca-
mões em. Lisboa.
Esta composição jocosa leu-a o autor num pic-
-nic realizado em Azeitão no dia 31 de julho de
1871 e tem por assunto uma porfi.i entre damas e
cavalheiros para fazerem chegar ao seu destino cartas
contraditórias que mutuamente procuram interceptar.
O poema consta de Canto, Cantão e Cantinfio em
oitava-rima, e de um Addit amento ; de notas que reve-
lam os verdadeiros nomes das personagens; de um
prólogo para a primeira edição «em leira de penha,
visto não haver nesta terra (Az_^itào) imprensa de letra
redonda»; e de uma suposta crítica do mestre Cle-
mente José Isidro Mocho ao autor da Cartíada.
Esta crítica, também escrita pelo professor Parreira
contra si mesmo, ficou incompleta.
A Cartíada nunca foi impressa. O seu autor, espí-
rito muito culto, apenas pretendeu produzir um gracejo
de ocasião, fingindo-se ignorante de preceitos literários.
Era um homem de valor. Foi êle que me indicou
o assunto do roraance Um conflicto na corte.
CASAQUEIDA (A).
Conheci este poema por intermédio do livro In illo
tempore, do malogrado escritor Trindade Coelho.
O herói era um estudante de Coimbra, natural do
Alentejo e de apelido Boavida, que se lembrou de
vestir casaca para exibir-se conselheiralmente em certa
PORTUGUESES 29
soirée realizada no Club dos lentes, desdenhando assim
a capa e batina escolástijas.
Este poema, em oitava-rima, constitui um folheto
de 8 páginas, com um Acto Addidonal na última.
Apareceu anónimo, mas Trindade Coelho, que o
anotou ao transplantá-lo para o seu livro, diz que o
autor fora o estudante brasileiro Pinto da Rocha»
A Casaqueida, causticante facécia coimbrã, era
vendida à Porta Férrea por 20 reis.
CAXORRÁDA, Manuscrito em poder do dr. Ro-
drigo Veloso^. Consta de 84 oitavas, e canta as faça-
nhas de um cachorro contra um lobo.
CEBOLÍADAS (OS) poema heroe-comico {em quatro
cantinhos) por Costa Ferreira (António da). Piefaciado
por António Aurélio. Lisboa, 1900.
É um poema da vida escolar, escrito por um estu-
dante de anatomia, e que parece dever o título a ou-
tro estudante de alcunha — O Cebola.
Às oitava-rimas dos «quatro cantinhos> segue-se
um suplemento em quadras.
CERO TO (O) por Venâncio de Matamá. Impresso
no Porto, creio que em 1898, pois lhe falta a data
de impressão.
Consta de quatro cantos em oitava-rima, tendo o
princípio de cada canto uma página de ilustração.
1 Não sei quem no leilio da respectiva livraria o adquiriu.
30 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
O herói é um boticário, como se depreende da
1.° canto:
As Artes e um artista assig-alado,
Que da pátria d'Affonso Araducana,
Depois da ponte Pisca ter passado,
Passou ainda alem da de SanfAnna,
Com muitos saccos d'hervas carregado,
Mais do que permitia a força humana:
E em terras de Pusmil edificou
Botica que elle tanto sublimou.
Pena é que faltem ao poema as notas precisas
para desembrulharmos as suas alusões pessoais, maior-
mente porque a composição tem valor literário.
CHAMORREIDA (A) poema heroi-comico. Lisboa,
1837.
O autor é Pedro Inácio Ribeiro Soares (Vide Des-
cída de D. Miguel).
Nào se imprimiu mais que o canto 1.®, em verso
decassílabo.
«Eram assumpto — diz Inocêncio — as tentativas
que inutilmente se fizeram em Belém nos dias 4 e 5
de Novembro de 1836 para restabelecer o governo
da Carta, e aniquilar a revolução de 9 de Septembro
do mesmo anno».
Nunca vi esta composição.
CHARLATANISMO (O), ou o congresso abolido.
Poema heroe (sic) &m verso solto. Manuscripto achado
n'um canto do Palácio das Necessidades, depois das
PORTUGUESES 31
cortes serem abolidas em 5 de junho de 1823. Pa-
ris, 1824.
O autor, José Anselmo Correia Henriques, escre-
veu vários poemas do mesmo género (Vide Padeira
de Aljubarrota, Perodana e Mariolada). Este pudemos
vê-lo rapidamente na Biblioteca Nacional de Lisboa.
Correia Henriques, que foi ministro de Portugal
junto às cidades hanseáticas, e que faleceu em 1831,
nâo se distinguiu como diplomata nem como poeta.
Mas tinha o gosto de escrever, e foi semeando poe-
mas, e outras composições, em vários prelos dsi
Europa.
O Charlatanismo, ou o Congresso abolido, canta,
como o seu título indica, a restauração absolutista
de 1823.
Este poema é uma duplicação, mutatis mutandis,
da Perodana, outro poema herói-cómico de Correia
Henriques, impresso em 1819.
Veja o leitor a proposição do assunto no Charla-
tanismo, que diz assim:
Canto da Inépcia o Reino tenebioso,
Cantarei burrical, fofa matilha
De valentes, acérrimos Quixotes:
Gentes que, sem saber falar a geito, ,
A sandice proclama em toda a parte, etc.
E, confrontando-a com a da Perodana (Vide este
vocábulo) há de reconhecer que o autor, apenas com
algumas alterações, fez dum poema dois — processa
fácil de fazer poemas.
32 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Também deve o leitor confrontar o final de um e
outro.
Na Perodana, Apolo despede do céu um raio vin-
gador, que reduz a cinzas as obras dos gazeteiros.
No Charlatanismo é o infante D. Miguel de Bra-
gança que expulsa a pontapés os deputados liberais,
assentando-lhes os pontapés no sítio em que eles cos-
tumam dar-se.
Vejamos:
•
«Voltou a si o Deus Charlatanismo,
Apontando co'o dedo ao fatal quadro,
Indica do seu Reino o triste agouro,
E o fado da boçal Democracia.
Em torno vê erguer todos os olhos
Ao quadro que causou tanto cuidado.
Eis que vê retratada em finas cores,
Do Infante Dom Miguel a vera effigie.
Qual emblema do archanjo do seu nome
Vir ser o serafim da Lusitânia.
Já entre as crespas enroladas nuvens,
De fumo da Alfazema que subia,
Aos altos tectos desta salla immeasa
Desceu do quadro e vai pousar na meza
O resoluto Heioe ds. Lusitânia;
Com ponta-pés no rabo leva a corja,
Indignado de dar uso á catana,
' Manda o Charlatanismo e comitiva,
Outra vez a pastar o duro cardo
E os membros da notável assembleia
Guardar as cabras e reger Pantana>>.
O poema tem 5 cantos, e uma dedicatória^em
prosa.
PORTUGUESES 33
CHELAIDA (A).
Este poema inédito, de que existe cópia na Vila
da Feira, é atribuído ao dr. Vicente Carlos de Sousa
Brandão.
O herói do poema foi miguelista e o autor
liberal: donde resulta ser a Chelaida uma sátira po-
lítica.
O título provém de um lugar que na freguesia
de Lever, do concelho da Feira, se chama Cheio,
porque aí, segundo diz o autor, fora moleiro o avô
do herói.
A maior parte da acçào decorre na Vila da Feira,
cuja descrição é bem pormenorizada.
Destaca, como nervo da acção, a ânsia com que o
herói aguardava a célebre «medalha» conferida por
D. Miguel de Bragança aos seus afeiçoados; e o
orgulho com que foi recebida, facto que o agraciado
solenizou com um baile comemorativo.
CHICOTE (O) poemeto dedicado a todos os preté-
ritos, presentes e futuros subscritores do /?. P. Amaro;
Pariz, 1829. 16 paginas.
É propriamente uma sátira política, posto que te-
nha um tanto ou quanto de poema herói-cómico, pois
aí se cantam as façanhas e proezas do padre Joaquim
Ferreira de Freitas, madeirense, geralmente conhecido
por Padre Amaro, em razão do seu jornal O Padre
Amaro, ou sovela politica.
O autor deste poemeto foi o médico José Pinto
Rebelo de Carvalho.
34 POEMAS HEROI-COMICOS
CHUMACINHO (O) fartado: epopea jocosa, dedi-
cada á ill."^ e ex."^^ sr.^ D. Anna Genoveva Fer-
reira Nobre Rossi, por um Ermitão de Parnaso; 1767.
O autor foi Joào Pedro Xavier do Monte, médicO;
natural de Santarém e falecido nos últimos anos do
século XVIII \
Tanto este, como outros dois poemas seus do
mesmo género (vide Sapatinhos de setim e Logração
da Prelasia) ficaram manuscritos; pelo menos Inocên-
cio assim o supôs e eu o creio.
Nunca vi deles espia alguma e, por isso, tenho
de reportar-me à notícia que Inocêncio estampou no
Dic. BibU, .baseada num volume manuscrito, que com-
preendia os três poemas, e que pertencia a Francisco
de Paula Ferreira da Costa ^.
Inocêncio diz — que esse manuscrito apresentava
visos de ser autógrafo.
Chumacinho furtado tem 4 cantos e cada canto
46 oitavas.
Na 1.^ oitava do 1.*^ canto, Xavier do Monte expõe
o assunto:
Uma discreta acção, lance jocoso,
Rapina venturosa e engraçada,
Um roubo o mais honrado e glorioso,
Empreza a mais feliz e desejada;
1 Em Santarém não há memória de ter existido ali algum
indivíduo ou família daqueles apelidos.
2 Sobre este bibliófilo veja-se a referência que lhe fazemos
no artigo Os Burros.
PORTUGUESES 35
Um innocente furto, e virtuoso,
Uma sortida bella e delicada,
Contente cantarei com todo o empenho,
Se arte me não faltar, e doce engenho.
Inocêncio comenta: «Nào poderei dizer, se o Roubo
do anel de cabelos de Pope entrou por alguma coisa
n'esta composição, que parece assimilhar-se-lhe, quan-
do menos pelo assunto».
Nem Inocêncio nem Teófilo Braga ^ julgam favo-
ravelmente os poemas de Xavier do Monte.
Contudo, o Dic. Pop. diz que este médico santa-
reno foi « poeta medíocre no género serio ^, mas de
algum mérito no jocoso».
Por minha parte só posso fazer juízo superficial
pelo breve excerto que Inocêncio dá: mas, nem a me-
trificação nem a linguagem me parecem inferiores
às de muitos outros poemas da mesma época e
género.
COMMENDAS (AS), poema heroi-comico-safyrico
em cinco cantos por •»***_ Lisboa, 1849.
Este poema foi escrito no Porto; e também lá im-
presso, nào obstante a indicação de que o fora em
Lisboa.
autor, por um artifício engenhoso, deixou con-
1 Estudos da idade- media, pag. 249.
2 Refere-se à EGiDEA, poema heróico ou historia da protentosa
(sic) vida do grande penitente S. Fr. Gil, portugtiez, que foi impressa
em 1788 — Lisboa.
36 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
signadas na palavra final do último verso as iniciais
do seu nome e apelidos.
A tratar thema igual com mais afago.
Decompondo letra a letra a palavra que se vê em
itálico, temos: a (António); / (Frutuoso); a (Aires);
g (Gouveia); o (Osório).
Quere dizer: António Frutuoso Aires de Gouveia
Osório, mais tarde lente da faculdade de Direito em
Coimbra, presidente da Gamara dos Deputados, Mi-
nistro da Justiça, Par do Reino, Bispo de Betesaida e
por fim Arcebispo de Calcedónia.
As Commendas são uma rapaziada alegre, como a
Murraça de Camilo, e porventura originada nas «ca-
vaqueiras» que, sobre os acontecimentos do Porto,
faziam estalar risadas na roda literária do Café Gui-
chard.
Eram os tempos do cabralismo, período de polí-
tica autoritária, que despertava a reacção liberal dos
«novos>; e no Porto desenrolava-se entào a «época
dos barões» — como Camilo lhe chama — que dava
supremacia social aos burgueses dinheirosos e baro-
neados.
Nestas circunstâncias, uma lufada revolucionária,
un vent de Fronde, agitava naturalmente o espírito da
mocidade portuense levando-a ao protesto contra o
•cabralismo no governo e contra a plutocracia no
Porto.
O autor do poema era entào um dos rapazes j^^jg
PORTUGUESES 37
talentosos e ilustrados daquela cidade, amigo íntimo
de todos os que se lhe igualavam em dotes intelec-
tuais \
Naquela época, Costa Cabral mandara quatro co-
mendas para o Porto, consignadas ao presidente da
Associação Comercial (que era Arnaldo Vanzeler),
a fim de serem distribuídas como recompensa de ser-
viços políticos.
A remessa destas condecorações e as peripécias
da sua distribuição constituem o assunto do poema,
que é escrito em verso solto.
Nele figura, entre outros barões, o de S. Lourenço
(Vide Ratos (Os) na Alfandega de Panfana).
O dr. Ricardo Jorge fez, em artigo ^, a seguinte re-
ferência ao poema As comendas e ao seu autor:
«António Aires de Gouveia, o grande orador, hoje
anciào envolto na purpura de arcebispo d^ Tessalo-
nica ^ quando caixeiro esbelto e poeta romântico, des-
fecha em verso contra uma carga de comendas, atira-
das a granel sobre os argentarios da invicta, uma
pungente sátira anónima; fariscada a autoria, escapa
uma noite, á saída do teatro, milagrosamente, ao
trespasse dum estoque, vibrado á mão tente duma
quina da Batalha, e o acinte da perseguição foi tal
que teve de largar o livro -caixa e a Porta de Carros
1 Fahceu no Porto em 17 de Dezembro de 1916 com 88
anos de idade.
2 Publicado no jornal A Lucta, de 22 de outubro de 1915.
3 Aliás Calcedónia.
38 POEMAS HEROI-COMICOS
para refugir-se nos estudos de Coimbra, onde se dou-
torou e professou, vindo a celebrizar-se por todos os
modos; uma espera assassina abriu-lhe a esteira».
Nào sei se realmente houve «espera»; sei, porém,
ter havido na imprensa jornah'stica do Porto uma
azeda polémica entre Camilo Castelo Branco e Antó-
nio Aires sobre a paternidade deste poema, a qual
António Aires chegou a negar em letra redonda.
Em resumo, as coisas passaram-se assim:
Sendo caixeiro da casa comercial de j. P. Chasse-
seau, cujo gerente era William Vright, mas dedicado
à literatura, António Aires malquistou-se com Camilo
Castelo Branco, parece que por causa de rivalidades
entre os partidários das cantoras Beloni e Dabedeille.
Apareceram no Eco Popular alusões desagradáveis
a Camilo, que escrevia no Jornal do Povo com o pseu-
dónimo de «Anastácio das Lombrigas» e que em des-
pique atacou o poema As Comendas, o qual havia
produzido escândalo.
Palavra puxa palavra. Camilo revela o nome do
autor. António Aires nega. Camilo enraivece-se e pro-
mete analisar detidamente o poema. Intervém apasi-
guador o pai de António Aires, e Camilo cede, mas
pica-o uma carta do adversário procurando intimidá-lo
com os tribunais. Então Camilo confirma a revelação
que fizera e tosa desapiedadamente o poema.
Abandonando a carreira comercial, António Aires
vai para Coimbra estudar preparatórios, e o Eco
Popular cobre-lhe a retirada afirmando que essa reso-
lução já tinha sido tomada antes da polémica. (Ve-
PORTUGUESES 39
jam-se Arq. de Hist. da Medicina Portuguesa, n.° 5.°
do 7.° ano, 1916).
CONQUISTA (A) da cruz por Arcádio Nemorino.
Lisboa, 1873.
É um poema herói-cómico, em 7 cantos (com
notas).
Assunto: a conquista da gran-cruz da Torre e Es-
pada por Fontes Pereira de Melo.
Tive dificuldade em saber quem fosse Arcádio
Nemorino, tanto mais que é uma designação omissa
no Diccionário de Pseudónimos.
CORREIADA (A).
O Padre José Agostinho de Macedo, no último
canto dos Burros, prometia um poema herói-cómico
— A Correiada — de. que seria protagonista José An-
selmo Correia Henriques.
Esta promessa foi uma das intercalações por êle
feitas entre 1812 a 1814, pois que a composição da
Mariolada, poema herói-cómico de Correia HenriqueS;
em que o Padre Macedo era visado, data de 1813.
Três vezes, nos Burros, se refere este Padre à Cor-
veiada:
«Filhos, (lhes brada) a besta que alli vedes
Desejosa de entrar, é minha, é nossa;
Nasceu nas ilhas, parto atravessado . . .
Foi-lhe incógnito o pae, e a mãe foi
Espia na^Suecia, aqui soldado,
Em toda a parte, em todo o mundo burro:
40, POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Mais tolo que o Moniz, e até que o Costa,
Menos patife é Couto, e é menos asno.
Tu, Bernardo, ó sandeu, tu rei dos tolos,
Não és tão besta, como o besta Anselmo.
Se dos Burros te fiz protogonista,
Foi porque soube que o cantor dos burros
Tinha escolhido Anselmo, e o tinha feito
Heroe de outro poema a Correiada,
Em que os feitos de Anselmo, e as manhas suas,
I>esde o bastardo berço em versos canta:
De eterno opprobrio alli será coberto,
Dando ao diabo a estólida baforda 1,
Qual nunca os doidos do hospital disseram».
Mais adiante volta ao assunto:
. . .Os séculos não viram
Inda no mundo geribanda d'estas:
Bons dous cantos 2 tem já da Correiada.
A par d'isto, ó sandeus, são nada Os Burros.
Finalmente; ainda se refere o Padre Macedo ao
seu novo poema quando, sempre falando de José An-
selmo, diz:
E c'o rabo entre as pernas se prepara
A aguentar da Correiada ps raios.
Nào me consta que o Padre Macedo publicasse
este prometido poema, ou o deixasse manuscrito.
1 Alusão à Mariolada.
2 A edição do Pôito diz contos; e a sua pontuação é defei-
tuosa nesta passagem, como em outras muitas.
PORTUGUESES 41
Faziam parte dele 14 sonetos que, sob a indicação
de Carreadas, encontrei descritas no catálogo da livra-
ria Fernandes Tomás (Lisboa, 1912) com esta rubrica:
«Quatorze virulentos sonetos, contra José Anselmo
Corrêa Henriques. Original, inéditos»?
Virulentos? Entào bem podem ser acendalhas que
o Padre José Agostinho tivesse já de mào para aque-
cer o fornilho do seu prometido poema.
D
DESCIDA (A) de D. Miguel aos infernos a pedir
auxilio, poema heroico-comico em dois cantos, Lisboa,
1833.
O autor é Pedro Inácio Ribeiro Soares, natural de
Lisboa (1789-1848) e empregado público.
O poema, que compreende 20 pág., está composto
em verso solto.
A acção é, como o título indica, a viagem de D.
Miguel de Bragança ao reino de Plutão para obter
um exército diabólico de centauros, centimanos e gor-
gonas com que possa salvar ainda a sua causa.
Sendo admitido à presença da potestade infernal,
D. Miguel pôde conseguir o que desejava, e com essa
legião auxiliar, que destina ao comando de Bourmont,
marcha trabalhosamente em direcção ao Porto.
42 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Entram em scena as hostes do AvernO; fére-se a
batalha, e os liberais cantam vitória.
D. Miguel vinga-se dos portuenses fazendo correr
para o rio Douro os preciosos vinhos armazenados
em Vila Nova de Gaia.
Satisfeito da vingança deita-se o vencido príncipe
a dormir. Teles Jordão aparece-lhe em sonhos e anun-
cia-lhe a ruína da causa absolutista no sul. D. Miguel
acorda atónito, e resolve corrV sobre Lisboa para
tentar os últimos recursos: as guerrilhas e a fuga.
Todo este poema herói-cómico é ditado pela vio-
lência da paixào política própria daquela época, e
acerba nas represálias, de parte a parte.
Os versos são correntios, mas carecem de eleva-
ção literária, como tantos outros que se escreveram
para ferir ou para elogiar D. Miguel e D. Pedro.
DESERTOR (O), Poema heroi-comico por Manoel
Ignacio da Silva Alvarenga, na Arcádia Ultramarina
Alcindo Palmireno.
O autor, português-brasileiro, nasceu na província
de Minas-Gerais, e veio cursar a faculdade de Direito
na Universidade de Coimbra, formando-se em 1776
ou 1777.
Foi durante a formatura que êle imprimiu (1774)
na Real Oficina da Universidade este seu poema, em
cinco cantos e verso decassílabo solto.
O Desertor tornou-se muito raro no mercado.
Daí, por falta de conhecimento directo, algumas
inexactidões que andam impressas a seu respeito.
PORTUGUESES 43
O autor teve em vista glorificar a reforma da
Universidade pelo Marquês de Pombal, mas para o
conseguir procurou um processo engenhoso e indirecto.
Assustados com o maior esforço de aplicação e
estudo que a reforma impunha, alguns estudantes cá-
bulas resolvem abandonar a vida académica, e reco-
Iher-se a penates.
Já o invicto Marquez com regia pompa
Da risonha Cidade 1 avista os muros.
Já toca a larga ponte em áureo coche.
Entre os apóstatas da sciência avulta, como prota-
gonista, certo estudante de nome Gonçalo, que vai
procurar as sopas de um tio, em Mioselha.
O êxodo realiza-se no meio de complicações inte-
ressantes. A màe de uma tricana, enganada pelo estu-
dante Gonçalo, prega a revolta contra os fugitivos e
logra reunir gente com que lhes aparece no caminho
a pedir contas ao sedutor da filha. Trava-se combate
rijo. Gonçalo fica derreado neste prélio, mas, sem
querer ouvir os conselhos do tio, continua a madra-
cear em devoto culto à ralaça Ignorância.
EUa reina em seu peito, e se contenta
De ter roubado aos muros de Minerva
De fracos Cidadãos o preço inútil.
elemento feminino aviventa a fabulaçào do
poema, com vantagem, neste ponto, sobre o Hissope.
1 Coimbra.
44 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
O Desertor revela os méritos de Silva Alvarenga
como homem de letras que foi.
E as frequentes comparações procuradas na fauna
e flora brasileiras clamam, por sua vez, a região natal
do poeta.
DIABO COXO (O) epopea. Editor C. A. Zagalo.
Um folheto.
DOIS JOÕES (OS) poema em vários cantos por
Mac — Lisboa, 1889.
Eu possuo a 3.^ edição.
O protagonista deste poema é João Burnai, acusa-
do de, em correspondência oficial, ter preguntado e
respondido a si mesmo sobre um assunto relativo à
exploração do caminho de ferro do Transwaal.
Tem graça, e labor literário.
Consta de 15 cantos e um epílogo. — 32 pág.
O autor foi Alfredo Morais Pinto, o chistoso Pan-
tarântula, redactor do Pimpão.
DO URI-VINHADA: poema epico-borlesco, oferecido
aos lavradores do Vinho do Alto Douro, por B. J. S,
P. C — Porto, na Imp. do Gandra, 1822, 8.^ de 40 pag.
Não possuo êsté poema nem sequer o vi.
O autor é o dr. Bernardino Joaquim da Silva Car-
neiro, que foi lente de direito em Coimbra, e faleceu
em 1867.
Compôs este po.ema — em 3 cantos e oitava rima
— aos 16 anos de idade.
PORTUGUESES 45
Toda a composição, segundo informa Inocêncio,
abrange 40 pág.
Vide Farfuncia.
EPIPHANEIDA (A) Brincadeira minha, de que
sairam algumas oitavas no Diário Illustrado, de Lisboa,
quando eu ali redigia, além de outras, uma secçào me-
trificada sob o iiiulo — Kalendario alegre.
O protagonista era o então professor do Liceu
Nacional de Lisboa, e depois do Curso Superior de
Letras, Augusto Epifânio da Silva Dias, terror dos
examinandos e dos respectivos pais.
Não sei se o irritante professor me desculparia esta
badinage jornalística, mas tive certas razões para supor
que não.
ESCOLÍADAS.
Letra de El-Qardeble (vulgo Bell) publicada por
ocasião da festa carnavalesca dos estudantes da Escola
Médico-Cirúrgica de Lisboa, em fevereiro de 1901.
Apenas o 1.° canto, composto de 23 estâncias. As
duas primeiras propõem o assunto:
As doutoras e varões assignalados
Que, da Medica Escola a Portaria,
Com livros nunca d'antes folheados,
Passaram inda alem d'Anatomia;
y
45 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Em perigos d'exames esfalfados
Mais do que no bestunto lhes cabia,
Entre povos mais tarde architectaram
Doenças que jamais ali passaram :
\L também as tiradas gloriosas
D'esses mestres que foram dilatando
O miolo, e com phrases vigorosas
No miolo o juizo devastando,
E aquelles que, por espigas ruidosas,
Se vão ainda em vida eternisando,
Cantando espalharei por toda a Escola
Se a tanto me ajudar engenho e tala.
Estas e outras estâncias escritas com menos arte
que mocidade, recordam-nos o conhecido provérbio:
// faut que jeunesse se passe ou, ainda melhor, a con-
ceituosa frase do pintor Mareei no famoso romance de
Murger: La jeunesse n'a qu'un temps.
ESPANTOSAS ACÇÕES D' ANTÃO BROEGA, me-
morável narigudo, poema por Manoel Maria de Bar-
bosa du Bocage. Lisboa, 1835. Folheto de 24 páginas.
No fim da 1.^ parte, lê-se esta advertência: «Bo-
cage não fez a segunda parte promettida; e he por
isso, que outro Poeta a dá á luz a fim de se concluir
o Poema, ainda que menos favorecido das Musas».
Ora o «outro Poeta» foi José Joaquim Bordalo, pro-
fessor de instrução primária em Lisboa, e pai do es-
critor Francisco Maria Bordalo.
Neste poema, todo êle composto em quadras, cele-
bram-se as proezas fantásticas de um nariz monstruoso
PORTUGUESES 47
Tem-se discutido se a Bocage pertencem ou não
as quadras da 1.^ parte. Inocêncio não as incluiu na
edição das Poesias que coligiu e fez publicar, porque
não acreditava que tal «destampatório» fosse obra
daquele poeta ^. José Feliciano de Caotilho na Livraria
clássica ^, e depois na refundiçào do estudo sobre Bo-
cage e as suas obras ^, entende e teima que se não
deve negar a Elmano a paternidade de tais quadras.
Quanto a mim, julgo-as apócrifas; uma das várias
publicações, que, sem escrúpulo, foram lançadas no
mercado, à sombra do nome do popularíssimo poeta.
A pouca sonoridade dos versos e a incorrecção de
alguns deles, a pobreza de rima, a assonância de pa-
lavras dentro dá mesma quadra, atraiçoam nesta
composição os dotes naturais de Bocage, sempre es-
pontâneos e fluentes, ainda quando não procurava
aprimorar o seu estro.
Assim, pois, não posso crer que Bocage contasse
como redondilhas de sete sílabas estes dois versos,
que aliás são de oito:.
Ao ver a maquina estupenda
Façanha bem maravilhosa;
nem que compusesse esta quadra em que monotona-
mente predomina a vogal — a — :
1 Poesias de Manuel Maria de Barbosa du Bocage, tom. VI,
pág. 409.
2 Tom. XXII, pág. 69.
3 Tom. II, págs. 117 e 258.
48 POEMAS HEROI-COMICOS
O bruto recem-parido,
Dizem que logo quiz mama,
E para matar- lhe a rafa
Correu d'improviso a Ama.
Um dos predicados que realçavam a harmonia em
Bocage era, bem pelo contrário, a variedade de vogais
dentro de cada verso.
Descontando o que possa haver de incorrecção ti-
pográfica — como em tantas outras composições atri-
buídas a Bocage — eu não creio que este poema seja
dele, ainda admitindo que para o povo o compu-
sesse.
A última quadra da 1.^ parte é salientemente cor-
riqueira e nem por gracejo se pode imputar a Elmano:
Por ora venhão os cobres,
Senhor povo, que eu com arte,
O que lá fez o Broega
Direi na segunda Parte.
Encontrei uma referência de Sousa Bandeira — o
chistoso jornalista conhecido por Braz Tisana — a ou-
tra obra de J. J. Bordalo, «colecção de cartas alfabé-
ticas e vocabulosas (sic) para guia completa dos me-
ninos e meninas».
Nessa referência informa Bandeira que os redac-
tores da Semana depenaram sofrivelmente o autor das
cartas alfabéticas e vocabulosas e depois acrescenta:
«O mestre Bordalo, desconfiando que a sublimi-
dade de alguma palavra nào fosse percebida pelos
seus amáveis leitores, apresenta a versão delas e diz —
PORTUGUESES 49
Têz — quer dizer superfície corpórea! Cerviz — escravi-
dão! Calo — o que molesta os pés! Kilo, medida e
peso. Vella — a de cebo, cera, e também a de navio.
— Digerir — quer dizer, consumir no ventre!! Já se vê
que o homem merece os dous patacos!» \
ESTOLEIDA (A).
Sei que deste poema herói-cómico, o qual ainda
nào pude vêr, foi autor o português-brasileiro padre
João Pereira da Silva, depois cónego e mais tarde
nomeado monsenhor da capela real no Rio de Janeiro,
cargo de que não chegou a tomar posse.
Também sei por informação de um ilustre escritor
fluminense, meu bom amigo, que o cónego Januário
da Cunha Barbosa transcreveu no seu Parnaso algu-
mas oitavas do canto 2.°, as quais compreendem a
descrição do Pão de Assucar e do sítio de Botafogo.
Nada mais posso acrescentar.
FARFUNCIA (A) poema heroe-comico offerecido aos
senhores do Douro por B. J. S. P. C. Porto, 1823, 60
pags. em 8°,
autor foi o dr. Bernardino Joaquim da Silva
Carneiro, lente da faculdade de Direito na Universi-
1 Escriptos humorísticos, tomo II, pág. 208.
50 POEMAS HEROI-COMICOS
dade de Coimbra, muito conhecido pelos seus com-
pêndios escolares, hoje postos de parte.
Quando compôs este poema herói-cómico, Bernar-
dino Carneiro tinha apenas dezassete anos de idade.
Farfúncia, vocábulo que se autoriza com a lição
de Filinto Elísio, é sinónimo de farfalhice ou farfân-
cia. O autor personifica nesta palavra o gosto, a ma-
nia das famílias durienses pelos chás, dançaS; jogos
de prendas e de roda, modinhas, batota, etc.
Farfúncia (assim se chama); mas té gora
Nenhum Ápelles soube desenhalla ;
Ou lhe dêm corpo, e talhe de senhora,
Ou queirão c'os insectos comparalla :
Em nenhum domicilio se demora;
Como immensa no Douro se assignala;
Pois que he todo o seu spirito subido
O frenesim das sucias 1 conhecido.
Ella a deosa se diz, a divindade,
(Das Magas continua a mesma historia;)
Que invisível preside a sociedade
Nos dias de prazer, noites de gloria;
Ella, quem Frazões faz em toda idade;
No pimponismo induz gente da escoria.
Ella, as modas inventa, ella farfante.
Namoros origina a todo o instante.
Como se vê, o poema (dividido em 4 cantos) é
composto em oitava-rima; e de medíocre valor literá-
1 Significando assembleias, partidas de jogo ou dança, em
casas particulares. Ainda na minha infância assim se dizia no
Porto.
PORTUGUESES 51
rio, uma rapaziada apenas, alegre e incorrecta— até na
revisão tipográfica.
Contudo nào se lhe pode negar fidelidade na pin-
tura dos costumes- sociáveis daquela província, espe-
cialmente no Alto Douro; e nào digo daquela época,
porque esses costumes teem ali mudado pouco ou
nada. •
Sob este ponto de vista, ainda hoje A Farfuncia é
verdadeira.
Quanto ao seu autor, contarei que, sendo já velho,
os alunos lhe chamavam «Doutor Balandrino» e ju-
diavam com êle.
Um ano, no primeiro dia de aula, dia apenas de
«cavaco», segundo a expressão escolar, um aluno, que
lhe imitava perfeitamente a voz fanhosa e rouca, lem-
brou-se de fazer eco a tudo quanto o professor dis-
sesse. /
Sentou-se na cátedra o doutor Balandrino e disse:
— Meus senhores:
Logo o eco repetiu:
— «Meus senhores».
E entào, todo o curso, mordendo o beiço ou guin-
chando rizinhos, assistiu a esta vivacíssima scena có-
mica:
Lente — Vamos começar os nossos trabalhos.
Eco — Vamos começar os nossos trabalhos.
Lente — Aqui há-i-eco?!
Eco — Aqui há-i-eco?!
Lente — Há-i-há!
52 POEMAS HEROI-COMIpOS
Eco — Há-i-há!
Doutor Balandrino tocou a campainha, veio o be-
del e êle disse-lhe:
— Ó seu Galiào.
Eco — Ó seu Galiào.
Lente — Vá pedir outra aula.
Eco — Vá pedir outra aula.
Lente — Que esta tem eco.
Eco — Que esta tem eco.
Lente — Não está ouvindo?
Eco — Não está ouvindo?
Bedel — Parece ...
Eco — Parece . . .
Lente — Pois não ouve, com todos os diabos?!
Eco — Pois não ouve, com todos os diabos?!
Lente — Vá dizer ao reitor e eu vou-me embora.
Eco — Vá dizer ao reitor e eu vou-me embora.
Vide Douri-Vinhada,
FESTA (A) de Baldo, poema mixto, em 8 cantos,
por Álvaro Teixeira de Macedo, impresso em Lisboa,
1847, na tipografia de António José da Rocha. Se-
gunda edição, Lisboa, Tipografia das Horas Român-
ticas, 1888. Esta edição é o volume \2P da Biblio-
theca Universal antiga e moderna; traz uma notícia
biográfica do autor e uma carta de Garrett.
Álvaro Teixeira de Macedo é português-brasileiro,
pois nasceu no Recife de Pernambuco, em 1807,
quando o Brasil estava ainda no seu período colonial.
PORTUGUESES 53
Em 1834 o imperador D. Pedro II nomeou-o se-
cretário (adido) da legação brasileira em Lisboa, onde
o irmào mais novo de Macedo veio exercer as fun-
ções de encarregado de negócios. Macedo casou em
Lisboa com a filha de um' negociante, neta de inglês;
e faleceu na Bélgica, em dezembro de 1849, quando
ali representava o Brasil como encarregado de ne-
gócios.
O poema Festa de Baldo deve ter sido escrito em
Lisboa, depois que Álvaro casou, porque nele faz elo-
giosa referência à esposa:
Feliz eu, que alcancei das mãos da sorte
A mulher que meu Baldo procurava;
Antes do ano de 1843, voltou a Lisboa para
se tratar de um grave padecimento, em casa da famí-
lia de sua mulher, padecimento que nào deixou jamais
de o afligir, roubando-lhe o bom humor de que era
dotado.
Contudo a acçào do poema decorre em Pernam-
buco, na entào vila de Goiana, por uma natural revi-
vescência saudosa das recordações que o prendiam à
província em que nascera.
Garrett diz na carta ao autor que todas as perso-
nagens do poema falam em português sincero, ornado
sem exagerações e puro. É verdade. E isto dá mais
um quilate lusitano à elaboração do poema, posto
que o assunto seja brasileiro.
A Festa de Baldo canta com delicadeza, e por ve-
54 POEMAS HEROI-COMICOS
zes com graça, as consequências incómodas que
podem advir, para famílias pacatas, da tentação de tro-
carem o remanso doméstico pela convivência mundana.
De vez em quando assombream o bom humor de
Teixeira Macedo algumas nuvens resultantes da injus-
tiça com que foi preterido na sua carreira diplomá-
tica, e perpassam quaisquer alusões políticas, aliás
mansas e discretas.
Todo o poema foi composto em verso branco, nào
isento de algumas falhas na metrificação.
Da 1.^ edição só vi até hoje um exemplar, na bi-
blioteca do sr. capitão de artilharia Ferreira de Lima.
Compreende 93 páginas, sendo uma de dedicató-
ria e outra de breve prefação ao «Leitor benigno>.
FILENAIDA, por A. B. de C — Coimbra, 1822.
O catálogo da livraria Moreira Cabral (Porto) 2.^
parte, n.° 5052, designa-o como poema erótico.
Não sei se será herói-cómico ou não. Ainda o nào
encontrei. Os livreiros de Coimbra nào me puderam
dar notícia dele. Nem a Biblioteca da Universidade
o possui.
FOGUETARIO (Ò) poema heróico ao muito sórdido,
fétido e tórrido ^ Deos do fogo, o grande Vulcano, Se-
nhor dos Ferreiros, Erector ^ das fumaças, Espalhador
1 Tórrido, segundo Inocêncio; temido, segundo Mendes dos
Remédios.
2 Erector, seg. I; Director, seg. M. R.
PORTUGUESES 55
das faíscas, Imperador dos fogoens, espirros e escorvas ^ :
pelo mesmo ^ herói do poema, o muito ^ reverendo có-
nego Erostato Fogacho, Assoprador dos murroens da
torre da pólvora *, Thesoureiro mor das buchas, Pro-
curador ^ das escorias, Capataz e Director da presente
torre do fogo dos Balbazes ^. Dado á luz ^ pelo Mor-
domo-mór dos Cien-fuegos, censor das girandolas, quali-
ficador dos montantes, e sacabuchas geral de todo o ar-
tificio foguetal ^. Na Officina dos Cyclopes ®.
Este poema, a que o autor chamou heróico por
antífrase, é atribuído a Pedro de Azevedo Tojal, ba-
charel em cánoneS; o qual, depois de ter enviuvado
duas vezes, seguiu a vida eclesiástica, e faleceu
em 1742 na quinta das Romeiras, em Santo António
do Tojal, arrabalde de Lisboa.
Do Foguetário existiam várias cópias manuscritas,
algumas incompletas. Em 1884 o dr. Rodrigo Veloso
planeou fazer imprimir em Barcelos este poema; mas
a impressão não chegou a concluir-se. Em 1904 o edi-
tor França Amado, de Coimbra, estampou uma cópia
integral, que o sr. dr. Mendes dos Remédios encon-
1 • Seg. M. R. fogoens, espinhos, escorvas e escórias.
2 Falta esta palavra na cópia de M. R.
3 Também falta esta palavra.
4 Na cópia de M. R. — Consumidor da torre da pólvora,
5 Na cópia de M. R. — Provedor.
6 Na cópia de M. R. — Torre de fogo, sem as duas seguin-
tes palavras.
7 Composto pelo, na cópia de M. R.
8 Na cópia de M. R. — de fogo.
9 Segundo a cópia de I.
56 POEMAS HEROI-COMICOS
trou na Biblioteca da Universidade, reviu e precedeu
de um erudito antelóquio.
Consta o Foguetário de 6 cantos, em oitava-rima.
O seu assunto é o fogo de artifício, obra de um
cónego, pirotécnico-amador, que foi queimado por
ocasião dos magnificentes festejos com que no ano de
1729 quis D. João V solenizar em Lisboa os despo-
sórios do príncipe do Brasil, D. José — depois rei
deste nome — com a infanta espanhola D. Mariana
Vitória; — festejos que também ficaram assinalados
por um grande temporal. ^
• O poema é chistoso; mas a metrificação não isenta
de defeitos, alguns dos quais talvez sejam da respon-
sabilidade dos antigos copistas.
No castelo de Lisboa armara o cónego pirotécnico
uma torre que êle devia incendiar, e cuja altura teria
dado rebate no olimpo, por se arrecearem os deuses
de que fosse uma nova tentativa revolucionária dos
Titans ^.
O autor dessa gigantesca máquina foi denunciado
a Júpiter por Juno e condenado a degredo no Etna,
com trabalhos forçados nas forjas de Vulcano^ deus
do fogo.
(i Quem se prestou a conduzi-lo à Sicília, não por
mar, mas por outro meio de transporte?
Foi o famoso padre Bartolomeu Lourenço de Gus-
mão, dito o Voador, também chamado o da Passarola,
1 Este assunto também foi cantado por Tomás Pinto Bran-
dão na silva Relação nova do fogo do CastellOf 1729,
PORTUGUESES S7
em razão das tentativas aerostáticas por ele realizadas
na cidade de Lisboa, 74 anos antes dos irmàos Mont-
golfier terem feito ascenções em França.
É incontestavelmente uma trouvaille, que reforça o
interesse da acção e a côr histórica do poema.
O Voador não saiu bem tratado das mãos sa-
tíricas de Pedro Tojal, como também não saiu das
de Tomás Pinto Brandão, e outros humoristas da
época.
Pobre padre! êle foi um malhadeiro como todos
os inventores, e o peor é que teve de expatriar-se para
fugir às garras da Inquisição e de ir morrer misera-
velmente num hospital de Toledo.
Vénus toma a defesa do cónego -pirotécnico, e
consegue que Júpiter Tonante, ouvido o conselho dos
deuses, lhe perdoe finalmente.
Então, já livre, o Foguetário é reconduzido à pá-
tria no mesmo veículo aéreo.
Emquanto os densos ares navegarão,
'' Alternadamente forão conversando
Nos infortúnios, que até ali passáfSo,
Cada qual respondendo e perguntando,
Té que com vento prospero chegarão
A Vai de Cavallinhos, e deixando
Ahi o Nauta ao Padre, em lom violento
Deu hum estouro, e foi varando o vento.
Restituído à pátria, o feliz cónego, herói da pi-
rotecnia nacional, embasbaca as gentes alfacinhas fa-
zendo queimar o seu fogo de vistas e reabilitando-se
58 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
do fiasco originado pela chuva nas primeiras noites
dos festejos reais.
Em todo o poema, sào frequentes as liberdades
de expressão, sobretudo as que se filiam nas frequen-
tes comparações entre os estrondos do fogo de artifí-
cio e outros.
O Foguetário, escrito entre 1729 e 1742, é, por-
tanto, anterior ao Hissope, que António Denis compôs
em Elvas entre 1770 e 1772.
António Maria do Couto designa o poema de To-
jal pelo Título de Foguetaida.
FRADALHADA (A) poema alvar devidido (sic) em
trez cantos — Janeirada, Possidonio o Crú, a Borrada
ou a Burrada, por ***. Lisboa, 1869.
Esta sátira — pois assim deve classificar-se — tem
por objecto os acontecimentos da política portuguesa
em 1868: os tumultos do mês de janeiro no Porto e
Lisboa; a queda do ministério da Fusão; a chamada
do conde de Ávila ao poder, e logo depois a do mi-
nistério presidido por Sá da Bandeira mas substan-
cialmente caracterizado pelo bispo de Viseu (D. An-
tónio Alves Martins), o qual tomou a chefatura do
novo partido que saiu desses acontecimentos políticos
com o nome de — reformista.
A Fradalhada carece de valor literário e graça.
Também da mesma época (1867-1869) conheço
outra sátira política — Os heroes da época (Porto, 1869)
igualmente insignificante.
PORTUGUESES 59
G
GATICANEA, ou cruelissima guerra entre os cães,
e os gatos, decidida em huma sanguinolenta batalha na
grande Praça da Real Villa de Mafra. Escripta por
João Jorge de Carvalho. Lisboa, 1781.
Fizeram-se mais duas edições— 1817 e 1828.
Este poema, em decassílabos pareados, tem 4
cantos, e o seu assunto está claramente expresso no
título.
Não devemos atribuir ao autor a pretensão de
querer imitar a Batrachomyomachia ou guerra dos ratos
e das rans, que seria um bocejo de Homero (porque
ele dormitava às vezes) se de Homero fosse. A Batra-
chomyomachia, não podendo nós penetrar o sentido
simbólico que porventura a valorize, é uma sensabo-
ria inçada de nomes gregos, e mal avisado andaria
quem se lembrasse de imitá-la.
Nào, Joào Jorge de Carvalho nào teve esse des-
propositado intento, antes se inspirou, como confessa
na Prefação, que é também Argumento, num caso que
um seu amigo lhe recomendou como bom assunto
para uma epopeia jocosa.
João Jorge desempenhou-se menos mal do encargo,
sem esforço, e por vezes com graça: quanto a metri-
ficação, salvou dignamente a honra do convento.
60 POEMAS HEROI-COMICOS
Ferida a grande batalha entre as hostes caninas e
gatescaS; sào os cães que retornam vencedores.
Uma das curiosas particularidades deste poema é,
no canto 3.°^ a descrição do convento de Mafra:
Elle tem quatro frentes , ou fachadas,
Com janellas tão grandes, e rasgadas,
E feitas com tal arte, que por bellas
Hum poitico parece qualquer delias.
Em duas ordens postas em redondo
Tão bella perspectiva vão compondo,
Que na primeira vista o pasmo ordena.
Que nem as louve a voz, nem pinte a penna.
Tal cumprimento tem qualquer dos lados
Que os grandes Canzarões mais alentados,
Vistos d'hu n'outro extremo mais, ou menos
Cachorrinhos parecem mui pequenos.
No frontispício a bella arquitectura
Brilha com tão distincta formosura,
Que julgo ser (e nisto bem me fundo)
JVlaravilha maior de todo o Mundo.
As ordens tosca Dórica, e Composta,
A Jónica, a Corinthia bem disposta,
Tudo se vê com gosto executado
■ No grau mais singular, mais levantado.
Columnas de grandeza portentosa
No pórtico maior a vista goza
Nas três portas soberbas, que na entrada
Á perspectiva formão da fachada.
Mil estatuas de mármores polidos,
O chão todo em xadrez com embutidos.
PORTUGUESES 61
As torres, que nos lados vão subindo,
Mil sinos pelos ares retinindo,
Que sendo por mão destra ali tocados,
Os minuetes formão bem trinados.
Distinguem-se também nesta fachada.
Por maravilha grande, e subhmada,
Dois grandes torreões, que na grandeza
Outros não tem a vasta redondeza.
Hum zimbório soberbo, e sumptuoso,
Que na Região Etherea do ventoso,
E sublime hemisfério vai tocando
As nuvens, que nos ares vão girando.
De festões adornado, e bellas flores
Formadas em diversas lindas cores,
De pedras muito finas, e polidas.
Na Região do vento suspendidas.
O Senhor, que erigio este Edificio,
Nos mesmos torreões do frontispício
Mandou, que Paço Régio se fizesse,
Que a seu grande poder correspondesse;
No qual respira, sem contradição,
A grandeza de hum Régio coração.
Que a fama ha de cantar cõ gosto, e gloria,
Emquanto neste mundo houver memoria.
Quem era João Jorge de Carvalho? Nada se sabe
a este respeito. Inocêncio baldou quantas diligências
fez para averiguá-lo, e eu nào fui mais feliz.
Vê-se que era homem regularmente instruído, por-
que intercala no texto versos franceses e espanhóis.
Também se vê que conhecia bem a Beira-Baixa, Coim-
bra, Mafra, Ericeira e os arredores destas duas povoa-
ções; mas nào é lícito concluir do poema que o autor
62 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
fosse natural ou habitante de Mafra, antes me parece
dever inferir-se de uma nota (a pág. 84 da 1.^ edição)
que compusera a- Gaticanea longe dali, talvez em
Lisboa.
Por intermédio de um amigo meu, o amável pároco
de Mafra rebuscou o registo dos óbitos daquela fre-
guesia e apenas apurou que num dos lugares mais
afastados da vila houve um João Jorge, que faleceu
em 1769 e era viúvo de Antónia Rodrigues, o qual
teve um sobrinho, cujo nome se não menciona.
Seria arrojada hipótese supor que este sobrinho
fosse homónimo do tio e autor do poema, tanto mais
que a tradição oral em Mafra não conserva memória
alguma do autor da Gaticanea. ^
GENEALOGIA PAPERIFERA, ou verdadeira arvore
da geração do ill."^^ snr. D. Papel; Lisboa, 1811.
O autor, João Pinheiro Freire da Cunha, foi pro-
fessor de gramática latina e portuguesa em Lisboa,
sua pátria, onde instituiu uma Academia Ortográfica
GRAVES NADAS, poema heroi-comico, sequencia do
Hyssope, por Teophilo Braga: na 2.^ edição das Folhas
verdes. Porto, 1869.
O ^sunto é tirado da 2.^ parte do «Argumento»
do Hissope — isto é, relativo ao tempo em que o so-
brinho do Deão, sucedendo-lhe neste cargo, continuou
o pleito até que o Bispo, cheio de terror, se retratou.
O poema, em verso solto, abrange 4 cantos; nêle
figuram algumas das personagens do Hissope.
PORTUGUESES 63
Teófilo Braga elaborou-o antes de 1860, e cha-
ma-lhe «velleidade de criança>.
Aditou-o com várias notas extraídas do Ms. da
Universidade a que nos referimos no Hissope, quando
mencionamos a eciição deste poema feita pelo dr. Ro-
drigo Veloso.
GREGOREIDA ou Aventuras d'um filho d' Alijó dos
Vinhos em Lisboa, durante as festas do centenário de
Camões. Poema em oitava-rima composto e escrito por
Gregório Antunes Falcào, substituto do escrivão do
juiz ordinário d'aquella importante comarca e copiado
do original manuscripto pelos siamezes do Occidente,
Castor & Pollux. Lisboa, 1880.
Este poema conta as supostas impressões do seu
autor na visita que fez à capital por motivo do tri-
centenário de Camões. Contém 57 oitavas, em boa
metrificação, e com benigna maledicência.
Refere-se ao cortejo cívico e a algumas individua-
lidades do mundo político e literário.
Numa só oitava inclui a comissão executiva das
festas camoneanas em Lisboa:
A toda a gente causa grande espanto
Do Eduardinho 1 a calva monstruosa,
Do Luciano 2 o queixo a vêr-se tanto,
Do Chagas 3 as bochechas côr de rosa;
1 Eduardo Coelho.
2 Luciano Cordeiro.
3 Pinheiro Chagas.
64 POEMAS HEROI-COMICOS
Do Pequito 1 o nariz que põe ao canto,
Lá do Egypto a pyramide famosa ;
E a muitos inda dá no goto hoje
Ramalho 2 ir côr de burro quando foge.
Ironiza o facto do ministério progressista não se
ter encorporado no cortejo:
Ministros nem por sombras, o governo,
Que rege e manda em cousas do paiz.
Foi de Camões amigo para o inverno,
Descer dos altos sólios jamais quiz.
Nem Barros 3 da fazenda de olhar terno,
Nem outro que Luciano 4 aqui se diz,
Que em cousas d'esta ordem não são finos
E mais do que estadistas são Calinos.
Contrapõe àquele estranho facto o procedimento
do estimado e popular presidente da câmara munici-
pal, José Gregório da Rosa Araújo:
Mas quem levou a palma foi o illustre
Gregório que também se diz José 5;
Se a Musa da epopeia me der lustre
Em verso hei^de mostrar o que elle é.
Mas porque a minha penna não deslustre
Outros que nada valem d'elle ao pé,
Apenas eu direi que a presidência
Viu tudo desfilar em continência.
1 Rodrigo Afonso Pequito.
2 Ramalho Ortigão, que trajava um fato cinzento, de passeio.
3 Henrique de Barros Gomes.
4 José Luciano de Castio.
5 José Gregório da Rosa Araújo, que teve a aícunha de Câcâ.
PORTUGUESES 65
Por entre os kodaks das pessoas em evidência
nesse dia e nessa época, deslizam, como exigua acção,
as peripécias, as aventuras da viagem do autor, arvo-
rado em protagonista.
Finalmente, êle regressa à sua imaginária terra
natal, Alijó dos Vinhos, despedindo-se do leitor:
Esta noite lá volto pr'a botica,
Mas um grande poema ahi lhes fica.
H
HERCULEIDA (A) por António Gomes de Oli-
veira.
O sr. Ramos Coelho {Hyss. 1879) menciona este
poema como satírico ou herói-cómico. Inocêncio nào
lhe dá a mesma classificação.
Pela cópia do 1.** canto que existe na biblioteca
ia Academia das Sciências, parece-nos que se trata
ie um poema mitológico, no gôsío da tabula de Poli-
^emo e Galatea, ou de outros poemas seiscentistas.
O autor, que era natural de Torres Novas e seguiu
i carreira das armas, cultivou a poesia e a língua cas-
elhana, que é aquela em que se propôs escrever a
íerculeida.
66 ' POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Damos como eloquente amostra da semsaboria do
poema a sua I.* oitava:
Ardor PieriD me encendió la mente
para cantar el Príncipe Thebano,
que armado el pecho de valor ardiente,
armo de clava la robusta mano:
Aquel justo, aquel fuerte, aquel prudente
debelador de monstros Soberano;
que la gran pátria liíertó oprimidaj
y con Hebe merece immortal vida.
HOS TIA (A) de oiro, poema heroi-comico por J. Si-
mões Dias. Elvas, 1869.
Consta de 10 cantos, em verso solto.
O intento do autor foi «combater principalmente
o vicio da avareza personalisado em Paulino Segis-
berto, que se nos afigurou nas sociedades modernas
um typo obnoxio, condemnado pela economia que
permittindo a usura reprova o monopólio, e pela cari-
dade christà, que manda repartir pelos necessitados as
sobras dos nossos haveres».
Simões Dias foi, nào há dúvida, um notável poeta,
principalmente lírico; por isso A hóstia de oiro nào é,
nem podia ser, o seu melhor livro.
Coincidência interessante: este poema foi escrito
em Elvas, a mesma cidade onde António Denis com-
pôs o Hissope, e até na mesma rua, a de S. Francisco,
em que Denis residira.
Os dois prédios ficam fronteiros um ao outro.
Aquele em que Simões Dias habitou tem o nP 10-A.
PORTUGUESES 67
HISSOPE (O), pgema heroi-cómicD de Antóni3
Denis da Cruz e Silva.
A 1.* ediçàO; impressa em Paris, 1802 (e nào em
Londres como se declara no frontispício) três anos
depois da morte do autor, foi proibida pelo governo
português, mas alguns exemplares escaparam, e eu
possuí um.
Em 1803, sob o domínio da primeira invasão
francesa, fez o livreiro Rolland uma 2.^ edição, em
Lisboa, para o que obteve licBnça do governo intruso.
Mas depois da retirada de Junoí a polícia portuguesa
manteve a proibição do Hissope. Desta 2.^ edição, que
é a reprodução da 1.'^, também possuí um exemplar.
Ela nào escapou a Inocêncio, como supôs o meu ilus-
tre amigo Sr. João Ribeiro (Vide Dic. Bib., tomo I,
pág. 125).
Seguiram-se as edições de Paris em 1817 e 1821^
ambas revistas, prefaciadas e anotadas pelo erudito
Timóteo Lecussam Verdier, que foi contemporâneo de
António Denis, pois nasceu em 1754 e faleceu em
1831.
Estas duas edições são ilustradas com a mesma
estampa, que representa a entrega do hissope ao
Bispo pelo Deão.
A de 1817 corrigiu-a Verdier sobre a de 1802;
e a de 1821 sobre a de 1817 e pelo confronto com
algumas cópias, que o autor mandara tirar para satis-
fazer pedidos, mas faltou, como base segura, o ma-
nuscrito originário.
Tanto a edição de 1817 como a de 1821, espe-
68 POEMAS HERÓI-CÓMIDOS
cialmente a última, mereceram a estimação dos biblió-
filos; e não é fácil encontrá-las.
Em 1834 fez-se em Paris a 5.^ edição do Hissope,
microscópica, in 32, sob a direcção de José da Fon-
seca e incluída no tomo VI do Parnaso Lusitano, que
é o dos Satyricos Portuguezes.
No mesmo ano o livreiro Nunes Esteves imprimiu
em Lisboa uma edição bordalenga, cópia incorrecta da
de 1808.
Em 1876 o ilustre bibliógrafo dr. Rodrigo Veloso
reproduziu em Barcelos a edição de 1817, enriquecida
não só com as notas de Verdier, mas também com
outras extraídas da cópia (Ms. 402) existente na Bi-
blioteca da Universidade de Coimbra e da cópia quê
possuiu o dr. Augusto Filipe Simões, além de algu-
mas outras notas da própria lavra de Veloso.
Em 1879 o sr. José Ramos Coelho publicou em
Lisboa a 8.^ edição, chamada grande, e, segundo de-
clara, alterou o texto do Hissope em mais de 250 lu-
gares; mas prefaciou e anotou esta edição crítica^
proficientemente, e fê-la acompanhar de desenhos
ilustrativos.
Em 1886 estampou-se no Porto (Imprensa Real,
Praça de Santa Teresa) uma edição popular, a tostão.
É cópia da de 1802.
Em 1910 a casa Garnier; do Rio de Janeiro, deu
,1 Inocêncio Francisco da Silva e o dr. Francisco de Paula
Santa Clara (elvense) morreram sem ter chegado a publicar as edi-
ções críticas do Hissope, que dedicadamente preparavam.
PORTUGUESES 59
a lume uma nova edição dos Safyricos portuguezes, na
qual vem incluído o Hissope, conforme a edição de
1834, mas valorizado por importantes anotações de
João Ribeiro.
Em 1911 publicou-se em Coimbra uma edição
escolar do Hissope, prefaciada, revista e anotada por
Adriano A. Gomes, professor do liceu central daquela
cidade.
Nada adianta.
Uma enumeração completa das edições do Hissope
há de o leitor encontrá-la, sob este mesmo título, na
escrupulosa monografia do sr. general Francisco Au-
gusto Martins de Carvalho — 1921, Coimbra.
Hissope não pode deixar de ser apreciado na
sua relação de subseqiiência e de género com o Lu-
trin (Estante do coro), que lhe ser\MU de modelo e
cujos úhimos cantos foram publicados mais de 80
anos antes, contados não até à 1.^ edição do poema
português, mas até à época em que António Denis foi
para Elvas, onde o compôs.
Procuraremos, pois, apreciar os dois poemas tanto
nessa relação comparativa, como também no valor in"
trínseco de um e outro.
Lima Leitão reputava a Estante do coro como o
*non píus ultra» dos poemas joco-sérios.
Rebelo da Silva \ considerando o Hissope como
livre imitação do Lutrin (não no sentido de cópia, mas
de analogia por sugestão), nota que o desenho das
1 o Panorama, XIII, pág. 291.
70 POEMAS HEI^ÓI-CÓMICOS
fisionomias e dos costumes oferece rasgos e atrevi-
mentos que abonam sem parcialidade os louvores ge-
ralmente conferidos a António Denis: por isso o clas-
sifica de primeiro poema cómico português, como já
Garrett o tinha classificado.
Teófilo Braga assinala «a riqueza dos typos e das
anecdotas» ^ que António Denis agrupou no seu
poema. Em outro lugar, o mesmo escritor «classifica
de maravilha de gosto e de talento o Hissope»^.
Percebemos esta opinião, posto que a palavra
maravilha seja excessiva; mas já nào' percebemos a
razào por que diz ser a falta de decoro a «pequena
macula» do Hissope^. Falta de decoro! Em que? Na
linguagem ou nas situações?
Poderá haver uma ou outra liberdade de expres-
são—só nos lembramos de uma única no canto 1.*
— mas falta de decoro nas situações é censu/a que
nào poderá demonstrar-se documentalmente.
Pela minha parte direi — já que me encontro em
frente deste assunto — que só reconheço no Lufrn,
em relação ao Hissope, duas espécies de vantagens:
A primeira é a da precedência cronológica, o que
aliás não envolve a ideia de originalidade, porque
Boileau inspirou-se, pelo menos, na Batrachomyoma-
chia mal atribuída a Homero e no Balde roubado de
Tassoni, a que êle próprio se refere no seu poema:
1 A Arcádia Lwiliarta, pág. 577.
2 Eitudos da Idade-tnéilla, 237.
3 Mes;na obra, pág. 246.
porTtugueses 71
Ó toi tí, snr ces ^ords ■u'une eau dormante mouille,
Vis combatre autrefois le rat, et Ia gienor.ilh;
Q'i, par L*s traits harois d'un bimrre linceau,
Míj ritalii en feu pour la perte d'un seau;
Muse, prête à ma bouche une voit plus sauvage. . .
Por sua vez António Denis inspirou-se no Lufrin,
o que leal e francamente indica no canto I quando
diz:
Musa, tu, que nas margens aprazíveis,
Que o Sena borda de arvores viçosas,
Do famoso Boihau a fértil mente
Abrazaste benigna, tu me inflamma.
A segunda vantagem é propriamente o labor lite-
rário, mais perfeito em Boileau, que foi, como Ho-
rácio e Castilho, um mestre de Poética.
António Denis irao se esmera na metrificação: o
verso corre naturalmente, mas às vezes frouxo e obri-
gado a hiatos.
Já nào quero imputar-lhe a culpa de algum verso
mais infeliz, como aquele, violento e cacofónico do
canto V:
Com 'strondo se assoa e dobrado o colhe,
porque nem este verso, nem os seis antecedentes e os
quatro subsequentes estavam na cópia que serviu à
1.* edição: por isso nào sei se é do autor ou de ou-
trem a paternidade desse verso realmente desastroso.
Alguma razão teve Camilo para acoimar a «frou-
72 P0EMAS HERÓI-CÓMICOS
xidão prosaica»^ dos versos do Hissope, ainda que
seja certo não morrer Camilo de amores por António
Denis.
Mas nào padece dúvida que há espontaneidade
métrica neste poeta, fluência natural, como não lhe
deixou de reconhecer o maledicente Padre José Agos-
tinho nos seus rancorosos Burros, circunstâncias que
tornam insuspeito o juízo:
Algum tora liberal guarda nos versos,
Parece que lhe caem de fácil veia.
E Garrett, depois de ter falado de Garção, com-
para António Denis a «mais caudalosa, porém menos
pura torrente» ^.
Quanto à linguagem., melhor direi ao vocabulário,
nota-se-lhe pobreza de adjectivaçào: um dos epítetos
que êle mais repete em todos os cantos do Hissope é
o adjectivo — grande.
Verdade seja que fica em boa companhia, porque
Luís de Camões, Bocage e Garrett tiveram também o
seu adjectivo — bordão ^.
Admitindo que transitem em julgado as duas van-
tagens já reconhecidas ao Lutrin sobre o Hissope, tere-
mos ainda a compensá-las a consideração de que no
poema português, escrito inicialmente duma assentada
em. dezassete dias, há mais unidade de arquitetura e
1 Curso de lii. porig., pág. 187.
2 Bosquejo da hisL da poesia e língua portg., pág. 205.
3 Camilo, Curso, pág. 259 e 353.
PORTUGUESES
73
acçào, mais correntia naturalidade que no poema fran-
cês, o que deve atribuir-se ao fa:to de Boileau ter
composto os quatro primeiros cantos entre os anos
de 1672-1674 e os dois últimos em 1683.
Assim, pois, suponho que o mérito total do His-
sope e o mérito total do Lufrin se equilibram por con-
siderações compensadoras em favor de um e outro —
dando-se a cada um o que lhe pertence de melhor.
Em alguns episódios António Denis sobreleva o
mérito de Boileau.
No do Jardim dos Capuchos (canto V) atingiu
uma graça bem sua própria e bem portuguesa.
Rebelo da Silva acha este episódio extenso, mas
convém recordar a abundância de estátuas de pedra
que embonecavam os nossos antigos jardins mona'sticos
e fidalgos: as referências nào nos parecem demasiadas.
No assunto do poema manifestamente Denis apro-
veitou o conflito de Elvas por sugestão de Boileau,
o qual, pela sua parte, colheu a acção do Lufrin numa
conversação em que certo provincial contou a anedota
da estante do coro.
Daquela sugestão resultou (jue no Hissope temos
a mesma briga entre dignitários da igreja: o que se
passa entre o Chantre e o Bispo de Coutances no
Lutrin passa-se entre o Deão e o Bispo Lencastre no
poema de António Denis,
O pomo da discórdia é lá a estante do coro; aqui
é o hissope.
Em ambos os poemas falta o elemento feminino
acompanhando a acção; apenas no Hissope aparecem
74 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
fugazmente a ama do Deão e a mulher do es:nvão
Gonçalves, à qual corresponde no Lutiin a mulher do
cabeleireiro Amour.
Vários episódJDS de carácter maravilhoso, que no
século XVIII se julgava ainda ser indispensável nos
poemas deste género, compensam-se numa e outra
composição.
Bastará mencionar no Lutrin a consulta à Sibila
Chicana e no Hissope a consulta ao astrólogo Abraca-
dabro; o episódio do grilo profético no Hissope e do
mocho sinistro no Lutrin; e em ambos a personifica-
ção da Discórdia; as moles sestas, as fartas comesai-
nas e os pressagos sonhos dos reverendos, etc.
Não há dúvida, como observou Rebelo da Silva,
que os comparsas do Hissope são numerosos, e bem
desenhados, ainda quando o sejam rapidamente.
. Mas António Denis não ficou inferior, nem talvez
superior, à galeria de figurantes do Lutrin.
Agora, onde Denis se avantajou a Boileau, incon-
testavelmente — e isto é mais uma compensação para
manter o equilíbrio entre os dois — foi no último
canto, que no Lutrin é frio e grave, conhecendo-se o
esforço do autor, por êle próprio confessado para
concluir a sua empresa; ao passo que o 8.° canto do
Hissope é vivo e rico de incidentes cómicos.
Em conclusão, julgo que injustamente afronta An-
tónio Denis quem reputa o Lutrin o non plus ultra dos
poemas joco-sérios; e que injustamente agravaria Boi-
leau quem se lembrasse de colocar o Hissope num
plano absolutamente superior ao do Lutrin,
PORTUGUESES 75
Por outro lado, a acusação de plagiário vibrada
contra Denis nào tem razão de ser; o dr. Cari Reinhar-
dstrettner, alemão, cujo voto é autorizado e nào pode
ser suspeito, repeliu em 1877 essa acusação injusta.
Sugestão é uma coisa; e o plagiato é outra coisa,
aliás bem diferente.
Assim como nós, os portugueses, fizemos honra
ao poema de Boileau, que já encontrou em Portugal
três tradutores ^ também a França fez honra ao His-
sope, que foi traduzido em francês por J. F. Boisso-
nade — sendo para notar que esta tradução conta três
edições '-, a última revista por Ferdinand Denis.
Apreciado o Hissope exclusivam.ente em relação à
literatura portuguesa, deve reconhecer-se que, na co-
tação dos méritos, êle é o nosso primeiro poema
herói-cómico, posto o nào seja cronologicamente, por-
que o precederam a Monoclea, o Foguetário e a Ben-
teida.
Vide Graves nadas.
Li ^ que o erudito António Luís Ferreira Girão,
quando estudante em Coimbra, compuzera sobre dis-
córdias académicas, uma paródia ao Hissope, que teria
1 o dr. Lima Leitão, 1834; o visconde de Vilarinho de
S. Romão, 1834, e J. S. S. (Braga, 1839).
2 Le QoupiUon, Pa Í3, 1828; ParÍ5, 1867; Paris, 1876.
3 O Tripeiro de 1 de Maio de 1919.
70 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
sido publicada num jornal de Coimbra, mas da qual
suponho nào se haver feito separata.
*
O sr. general Martins de Carvalho publicou em
apenso ao seu opúsculo As edições do Hyssope um
post scriptum contendo rectificações, tamanho foi sem-
pre o seu escrúpulo de bibliógrafo.
O sr. Edgar Prestage publicou uma tradução em
inglês do canto V do Hissope: Manchester, 1876.
J
JANTAREIDA (A).
Vide Lusiadas (paródias aos).
/ERIÇADA (A) poemeto heroico-buriesco em 4 can-
tinhos, dedicado ás banliistas de Matosinhos — Setem-
bro — 1884. 30 páginas — 8.°.
Em quadras rimadas; com ilustrações caricaturais.
O exemplar que eu consultei, pertence ao sr. capitão
Ferreira de Lima. Nào indica o lugar de impressão.
PORTUGUESES 77
Principia este poema descrevendo um passeio em
jericos desde Matozinhos à praia tie Arnosa de Pampe-
lido, onde se levanta a chamada «memória do Mindelo».
Vão senhoras e homens em alegre companhia,
rindo dos habituais episódios da locomoção asinina —
principalmente os infalíveis trambolhões.
À volta comem o seu farnel no adro da capela da
Boa Nova, passeiam depois à beira-mar, trepam ao
mais alto penedo — bons equilibristas ! — mas o autor
do poema e um companheiro adormecem, o que in-
digna as damas.
Fomos alvo da troça das donzelas.
Dormir ao pé das damas é peccado,
que nenhuma que eu saiba ha perdoado.
Se temos por dever velar por elas !
O regresso dos piqueniques é sempre mais aciden-
tado do que a partida, sobretudo quando os burros
podres acham maior o peso da carga e a alijam.
Foi o que aconteceu.
Finalmente, os improvisados cavaleiros e amazonas
entram em Leça da Palmeira, e são recebidos com
uma ovação, a ponto do autor nos dizer:
Então julguei-me rei. Fiz imponente
parar a cavalgada num momento,
exclamando do alto do jumento:
«Obrigado meu povo! Estou contente!»
O poema termina pela defesa do burío; menos
um, que é zurzido nas três últimas quadras.
78 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
r
Como post-scriptum, vem ainda alguns versos do
seu amigo Teófilo Faria \ lançando-lhe a respon-
sabilidade de ter feito que o poema viesse a
público.
Ora o autor, segundo pude averiguar, foi o bacha-
rel em direito António Lúcio Tavares Crespo, conser-
vador do registo predial no 1.*^ bairro do Porto e de-
putado às cortes nas legislaturas de 1865-1868, 1880-
-1881, 1887-1889, 1890 (sessào única).
Das suas aptidões literárias e humorísticas deu
testemunho, antes da publicação deste poema, um tre-
cho do discurso que pronunciou na sessào de 19 de
março de 1880, quando na câmara electiva se dis-
cutia o projecto de alterações à lei do selo.
Eu o ouvi, esse trecho, e o reproduzo dos anais
parlamentares:
«No regulamento de 14 de maio de 1878 vejo o
nome illustre do meu sympathico amigo, o sr. Tho
más Ribeiro.
«Estào ali assignados os srs. Fontes Pereira de
Mello, presidente do conselho da situação transacta,
Sampaio, Barjona de Freitas, Serpa, Thomás Ribeiro,
Corvo e Lourenço de Carvalho. Quando vi o nome do
meu antigo amigo o sr. Thomás Ribeiro assignado
n'aquelle regulamento, lembrei-me dos maviosíssimos
versos do seu livro intitulado D. Jayme, versos que
peço licença para recordar à camará, a fim de nos es-
1 Teófilo Leal de Faria faleceu em 24 de Junho de 1915,
na casa da sua residência, estrada de Bemfica.
PORTUGUESES 79
quecermos por um pouco das agruras e da monotonia
destas questões jurídicas.
«O sr. Thomás Ribeiro, descrevendo o amor filial;
acariciando um pae valetudinário, comparou-o á hera
que se enrosca nos muros e que, com vigor extraor-
dinário, suspende á beira do precipício as velhas mu-
ralhas de um castello ermo e derrocado. Feliz imagem
e felicíssimos versos!
«São como a hera viçosa
«Os filhos do nosso amor !
«Pois, sr. presidente, lembrei-me de parodiar os
versos do meu illustre amigo sr. Thomás Ribeiro.
S. ex.^ disse-nos em excellentes estrophes, com aquella
intelligencia que o distingue, com aquella frase elevada
que todos lhe conhecemos, o seguinte:
A hera, filha do muro,
■ Foi-se alargando e cresceu ;
Em cada cantinho escuro
Cada raiz se prendeu.
Entre cada fenda estreita,
Nova vergontea se ageita.
Do muro em toda a largura
Contorce a altiva espessura
Gira, enrosca-se e venceu;
«Nào affirmo se a reproducçào dos versos estará
fiel, porque os cito de memoria.
«Será como a hera, filha do muro, o sêllo, filho do
fisco ?
80 * POEMAS HEROI-COMICOS
«Peço ao meu illustre amigo que me desculpe o
gracejo innocénte da parodia, que apenas exprime o
meu respeito pelos elevados dotes intellectuaes do
illustre deputado.
«Digo eu também:
*e>'
O sêllo, filho do fisco
Foi-se engrossando e cresceu ;
Em cada papel arlico
Cada verba se metteu.
Em cada escriptura feita
Nova estampilha se ageita.
Do fisco em toda a grandeza
Tributa o povo e a nobreza.
E o deficit. . . não mo.reu !. . .
(Risos).
Tavares Crespo faleceu em abril de 1905.
Veja-se a seu respeito O bacharel António Lúcio Ta-
vares Crespo, fotografado por João Borges. Porto, 1890.
JORNADA AO DOURO (UMA), poema em três
cantos por F. A. M. S. Porto, 1855.
O assunto deste poema está enunciado no título;
e o protagonista é o seu próprio autor.
Os episódios das antigas jornadas a cavalo, a des-
çomodidade e carestia das estalagens, as noites mal
dormidas pelo assalto de parasitas ferozes, os perigos
dos caminhos ainda maiores que os das estalagens, so-
bretudo na penhascosa província duriense, acidentam
còmicamente esta longa odisseia desde o Porto até Er-
vedosa do Douro, a par de outros episódios de pura
PORTUGUESES 81
fantasia, tais como o congresso de taberneiros para o
autor saber qual o vinho que deve preferir, a aparição
mitológica do deus Baco, que descavalga de uma
pipa para do alto de um monte mostrar toda a vasti-
dão dos seus domínios e, finalmente, a descrição do
suntuoso palácio da mesma divindade, onde brotam
de fontes abundantes os mais preciosos vinhos.
Este poema, todo composto em oitava-rima, tem no
fim a seguinte data: Santo Thyrso, 26 de Junho de 1854.
Pelo texto da primeira estância do canto primeiro
parece dever supòr-se que o autor foi desde Santo Tirso,
onde residiria, ao Porto para daí seguir por Valongo,
Penafiel, Amarante até à Régua, e depois a Ervedosa.
Na instância final do último canto, o autor, cuja
identidade aliás nào pude descobrir, inculca-se como
pessoa de poucos haveres:
Adeos vos digo agora, meus leitores,
Que o estômago quer lhe deite um calço;
A vossa protecção, nobres senhores,
Prestai a um cidadão de pé descalço;
Acreditar podeis meus dissabores,
"*■ Que nada aqui vos diz que seja falso,
Quem se viu ao findar jornada tal
Sem burro, sem calçado e sem real.
E, realmente, se o autor dispusesse de recursos
pecuniários, bem se poderia ter dispensado de lazer
parte da jornada em bucéfalo, porque já entào havia
carreiras regulares de diligência entre o Porto e a
Régua para os viajantes que tinham medo ao rio
Douro.
82 POEMAS HEROI-COMICOS
Pois a verdade é que o poema; conquanto não
seja isento de defeitos, vale mais do que a algibeira
do autor valia.
Já depois de escrito este artigo, um tirsense meu
amigo comunicou-me que o autor deve ter sido um
Francisco Moreira, em tempo residente na vila de
Santo Tirso, homem de aptidões poéticas, e ali bem
visto, o que lhe permitiu viver, «apesar de pobre e
modesto, na roda dos engravatados».
Era aparentado, diz o meu informador, com a fa-
mília dos Wenceslaus brasileiros.
Francisco Moreira morreu tuberculoso.
Ultimamente descobri em uma das notas do livro
Penafiel, do sr. Coriolano de Freitas Beça, algumas
notícias interessantes acerca do poema Uma jornada
ao Douro.
sr. Beça indica aquele mesmo Francisco Mo-
reira (Francisco António Moreira da Silva) como au-
tor do poema, posto não tenha absoluta certeza, pois
que ao nome do suposto autor acrescenta um sinal
interrogativo.
Mas diz-nos aí que seu pai, dr. Rodrigo Beça, es-
pirituoso folhetinista ^ do antigo jornal portuense
Porto e Carta, publicara nesse jornal uma chistosa
crítica sobre o autor e o poema; bem assim que Faus-
1 Com o pseudónimo de Padre Serapião d' Algures,
PORTUGUESES 83
tino Xavier de Novais chasqueara o autor com esta
excessiva troça:
Poemas, que tenho visto,
Por costume um heroe cantam;
Mas neste dons se levantam —
Burro e vate! Eu gosto disto.
Mas ainda assim não resisto,
Chamem-me embora casmurro,
A perguntar se este zurro,
Este grande disparate,
Nos mostra que o burro é vate
Ou prova que o vate é burro?!
JORNADA ás cortes do Parnaso por Diogo Ca-
macho.
Com este pseudónimo se mascarou Diogo de
Sousa, que era natural de uma povoação do bispado
de Coimbra e do qual apenas se sabe que procedia
de família distinta, frequentou a Universidade e exer-
ceu a advocacia naquela comarca.
A Jornada andava encorporada na Fénix Renas-
cida, tomo V; e só em 1749 foi impressa em separado.
Pode considerar-se poema herói-cómico, como ou-
tros poemas deste género, cuja acçào é a narrativa
humorística de viagens; mas a oitava-rima foi substi-
tuída por tercetos, com acentuada feição literária.
O autor, percorrendo imaginariamente diversos
países da Europa, descreve os costumes desses países
naquela época, especialmente os literários (cultera-
nismo).
84 POEMAS HEROI-CÓMICOS
Mas, superior aos defeitos dos gongoristas, ri-se
dêleS; e evita-os.
D. Francisco Manuel, no Hospital das lettras, in-
clui Diogo de Sousa entre os poetas de «conhecido
e levantado espirito», que não chegaram a vêr impres-
sas suas obras.
Portanto, a morte de Sousa deve ter ocorrido an-
tes de 1728, que é a data do V tomo da Fénix Re-
nascida.
Costa e Silva considera a Jornada a mais bela
composição que possuímos no estilo burlesco.
Pinheiro Chagas "^ e Teófilo Braga ^ fazem elogios
à obra e ao autor.
Finalmente, Camilo Castelo Branco, no Curso de
Utteratura, aprecia com louvor a Jornada dizendo:
«O boleio da phrase é seiscentista, na melhor monção
das musas d'esse cyclo. O século transcurrido, desde
a eschola florentina até á corrupção importada de
Castella, parece que lhe opulentou o thesouro linguis-
tico, ensinando-lhe o meneio e a malleabilidade
d'aquellas phrases rijas e ásperas dos Ferreiras e Ca-
minhas. Ha ahi versos que se fazem admirar, a um
tempo, pela agudeza do chiste e pela vernácula adje-
ctivação».
Depois queixa-se dos erros grosseiros das cópias,
pelo confronto com o manuscrito original que possuía,
em partes alterado pelo autor.
1 jornal do Commercio n.os 3952 e 3953.
2 Estudos da idade-média, pág. 243.
PORTUGUESES S5
juízo (O) final e o sonho do inferno, poema em 3
cantos por C. F. B. C. Branco — Porto, 1845.
O autor foi Camilo Castelo-Branco (Camilo Fer-
reira Botelho Castelo Branco).
O assunto é fantástico — o sonho de uma viagem
ao in-ferno, num tom de crítica irónica, mas benigna.
Recorda-te, leitor, que eu fui levado
No cerro do dragão ao negro abysmo:
— De tudo quanto vi te darei parte
S'o animo fajudar p'ra tanto ouvires.
Não se encontra neste* poemeto, bem como nos
Pundonores desagravados, a promessa de que o autor
viesse a ser um dos m.aiores escritores de que Portu-
gal se ufana.
Vide Pundonores desagravados.
L
LAZARETO (O) DE LISBOA, poema heroi-cómico
em 5 cantos por Liidovicas. Lisboa, em S.^.
Este poema, a julgar pelo texto da 1."^ oitava do
canto quinto, foi composto por um jornalista portu-
guês, mas certamente residente no Brasil durante
longo tempo, pois sào frequentes na sua linguagem
,08 brasileirismos.
O autor conta galhofeiramente os horrores por que
passavam os quarentenários no lazareto de Lisboa.
86 POEMAS HEROI-COMICOS
Êle próprio foi uma das- vítimas desses horrores,
e vinga-se recordando-os em alegre' oitava -rima, nem
sempre feliz e correcta — especialmente nas consoantes.
Apenas o prólogo, que o autor chama Annuncio,
é escrito em estrofes de quatro versos:
Eu canto o Lazareto, os seus mysterios,
Fedores e extorsão;
Meus versos são por vezes joco-sérios,
Outras vezes não são.
Dos serventes eu canto as gentilezas,
E dos guardas também;
Canto as gordas propinas e espertezas
Que a empreza mantém.
Também canto as torturas que lá dentro
Oito dias soffri ;
As moscas na comida em vez de_^ coentro,
E tudo o que eu lá vi.
Etc.
É um desenfado de viajante inteligente, sem o
«veneno da maldade» e apenas com propósitos galho-
feiros, como o autor declara na última oitava.
Êle nào quis de modo nenhum denegrir Lisboa ^
à conta do Lazareto.
LOBINHO (O) PHILOLOGICO, poemeto jocoserlo
por Affonso Gayo. (Com um prefacio e o retrato do
auctor). Lisboa, 1897.
O autor conta, no Prefácio, como desabafara em -
quatro cantos de decassílabos rimados, e em nào
maior espaço de tempo que um mês, o tédio que lhe
PORTUGUESES 87
causaram as lições de Filologia no Curso Superior de
Letras.
Não visa no poema a atacar a competência do
professor, nem a utilidade da sciência; condena ape-
nas o métodO; que reporta excessivamente pesado e
asfixiante.
O quarto canto, durante o qual a aula de Filolo-
gia funciona/ é o mais interessante de todos — pelo
movimento e péla variedade.
LOGRAÇÃO DA PRELASIA REGULAR DE SAN-
TARÉM: Epopea faceta, por um Sacerdote de Apollo,
Bacharel na Sé das Musas, Dedicada ao M. R, P. Fr.
António do Espirito Sancto, Prior no convento dos Gril-
los, em Santarém. 1769.
O autor é Joào Pedro Xavier do Monte. Veja-se o
que dele dissemos no artigo Chumacinho furtado.
A Logração consta de 6 cantos, tendo ao todo 191
oitavas.
Proposição do assunto:
Cantem outros varões assignalados
Grandes de Santarém, que antigamente
Em perigos e guerras esforçados
Um brazão lhe fizeram permanente:
Eu canto agora o logro dos prelados,
Que nesta villa vivem santamente;
Cante lá quem quizer altas façanhas.
Que eu cantarei diversas, mas tamanhas.
lu ckr
Eu cknto um prior sábio e circumspecto,
Que na fina invasão da ratonice.
88 POEMAS HEROI-COMICOS
Com manha mui sagaz, peito discreto,
Dos golpes escapou da ladroice;
Que na Arte de fartar posto no recto,
Contravenida u^u, que não cahisse,
Quando outros do seu cargo lamentaram
Cortejos, e dinheiro que largaram.
Vide Sapatos de setim.
LONGUINHEIDA (A). O rabequista portuense Au-
gusto Marques Pinto, estando em Braga com Gui-
lherme Braga, escreveu por desfastio dois cantos de
um poema herói-cómico assim chamado.
O assunto, como o ^tulo indica, era a estátua
equestre de Longuinhos, no santuário do Bom Jesus
do Monte.
No cimo das escadas porten osas,
De soberbas capellas adornadas,
Cercado d'altas arvores frondosas
Que antes do mundo haver foram plantadas,
Chegando co'as orelhas altanosas
Ás nuvens nunca d*antes navegadas,
Alo^ido, e não a pé como os vizinhos
Judeus como elle, avulta o bom Longuinhos.
Deixo transcrita uma graciosa amostra do 1 .° canto
do poema, cujo original o próprio autor me empres-
tou no Porto, e do qual eu transcrevi logo algumas
oitavas no periódico portuense Mocidade, semanário
d'instrucção e recreio.
Faziam patte da biografia, que eu ali publicara^
PORTUGUESES 89
de Marques Pinto, e que, modificada, trasladei pri-
meiro para o livro Esboços e episódios, e depois para
o 2.° vol. da Seara em flor.
LUSA (A) BAMBOCHATA, poema triste em verso ^
alegre por Joannico C, Mila (Joào Pereira da Costa
Lima). Lisboa, 1885.
A ediçào, da casa Tavares Cardoso & Irmão, é
luxuosa, e foi amplamente ilustrada por Bordalo Pi-
nheiro (Rafael).
O poema consta de sete cantos em variado
metro.
É herói-cómico, posto se denomine apenas «poema
triste em verso alegre» : canta o estadista Fontes Pe-
reira de Melo como centro de uma constelação plane-
tária de políticos da época.
Diz o autor:
Pintar tantos heróis a tinta duradoira;
Pintal-os em relevo e a traços de vassoira;
Deixar aos do-futuro-em tela colorida. . .
Da raça do-presente-a recua patiicida,
Eis todo o meu empenho.
É uma charge que navega a todo o pano da veia
humorística do autor.
Fontes, a maior figura política do seu tempo, foi
muito alvejado pela sátira, que por vezes o tratou
cruel meti te.
Contudo êle serviu a pátria com dedicação e. de-
sinteresse. . . porque morreu pobre.
90 POEMAS HEROI-COMICOS
lusíadas (parodia aos).
Consagrada a importância literária e política da
epopeia de Camões, natural parecia que surgissem
desde logo tentativas de imitação ou paródia, pelo
sentimento de admiração que impele os espíritos para
o rastro luminoso das obras notáveis, e ainda pela
ambição de lucros ou celebridade.
Contudo, a própria grandeza monumental dos
Lusíadas poderá explicar talvez o número relativa-
mente deminuto de imitações ou paródias que teem
aparecido.
Quanto a imitações — entendendo por esta palavra
a escolha do mesmo assunto no mesmo género com
um propósito de rivalidade — apenas temos a mencio-
nar o Oriente do padre José Agostinho de Macedo,
que não preencheu os intuitos audaciosos do seu
autor.
Pelo que respeita a paródias, ,a mais antiga de
que temos notícia é a que Soares Toscano e outros
escritores atribuem a quatro estudantes da Universi-
dade de Évora e colocam no ano de 1589.
Esses quatro estudantes seriam Manuel do Vale,
Manuel Luís Freire, principal colaborador, Bartolomeu
Varela e Luís Mendes de Vasconcelos, que contribuiu
apenas com um verso.
Todos estes estudantes eram alunos de teologia e
dos mais ortodoxos.
Durante dois meses saiam da cidade pela porta
de Machede e iam juntos esconder-se num ferrageal,
)S(nde em segredo compunham a paródia aos Lusíadas,
PORTUGUESES ' Ql
que não abrangeu mais que o canto primeiro, e que
foi muito festejada quando se tornou conhecida.
O padre Ferrer, jesuita castelhano, chegou a dizer
que seria esta paródia a melhor obra que nunca sairá
nem vira, se nào fosse tào suja.
Pelo que a Companhia nào terá que ufanar-se de
haver sido màe espiritual do padre Ferrer.
Diz-se que a paródia anda alterada por emendas
da lavra de vários copistas ou leitores.
Mas uma das cópias parece merecer maior fé,
porque pertenceu a um dos autores, o licenceado
Bartolomeu Varela, e depois ao chafitre da Sé de
Évora — Manuel Severim de Faria.
É esta cópia a que foi reproduzida em Lisboa no
ano de 1880 num folheto de 36 páginas.
O assunto da paródia funda-se na bebedice de
alguns eborences entào mais notoriamente pinguleiros.
Borrachos, borrachões assignalados,
Que de Alcochete junto a Villa Franca,
Por mares nunca d'antes navegados
Passaram inda alem de Peramanca : 1
Em pagodes 2 e ceias esforçados,
Mais do que permitte a gente branca.
Em Évora cidade se alojaram.
Onde pipas e quartos despejaram.
1 Peramanca é o nome de urp.a herdade na freguesia da
Tourega; concelho de Évora.
2 Esta palavra enccntra-se também com o mesmo sentido
de patuscada gastronómica nas comédias de Jorge Feireira de
Vasconcelos.
92 POEMAS HEROI-COMICOS
Os autores da paródia não se preocuparam tanto
com a coerência do texto como com a oportunidade
das alusões pessoais que lhes iam lembrando.
Era uma chalaça de rapazes, principalmente.
Esta paródia ao canto primeiro dos Lusíadas co;i-
servou-se inédita até 1845, ano em que foi impressa
no 1 .° número da Misceílanea histórica e litteraria, do
Porto; e daí foi reproduzida no folheto de 1880.
António de Magalhães e MenezeS; senhor da Ponte
da Barca, escreveu o 2P canto da paródia, e dele
tirou cópia o sr. António Francisco Barata, que a deu
ao prelo em 1895, Lisboa (34 páginas).
Menezes continuou o assunto báquico, mas sem
valor algum.
No século XVIII, a propósito da cantora Ana
Zamperini, apareceu uma paródia ao episódio do ve-
lho do Restelo ^. É atribuída a José Basílio da Gama,
português-brasileiro.
No século XIX, Faustino Xavier de Novais publi-
cou no periódico O Futuro, que apareceu no Rio de
Janeiro, uma paródia ao primeiro canto dos Lusíadas
sob o título Dinheiro!
Esta paródia foi encorporada nas Poesias posthu-
mas do autor (Porto, 1877).
F. A. de Almeida — «o Almeida das Petas»— pa-
rodiou em 1865 (Lisboa) os cantos I, ÍI, III, IV e V
1 Vide Zamperineida, Lisboa, 1907.
PORTUGUESES 93
num volume de 206 páginas, com o título Os Lusíadas
do século XIX, poema heroi-comico.
O assunto da paródia, como o título indica, sào
os acontecimentos, principalmente políticos, daquele
século em Portugal.
Os asnos Figurões assignalados,
Que da classe dos getas e bananas,
Por motivos já bem justificados
Passai am inda alem dos fofos Tanas ;
Em certo dia muito apouquentados,
Mais do que julgam almas sempre humanas,
Entre Vianna e Vallada edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram.
E também as memorias gloriosas
D'aquelles taes, que foram dilatando
A má fé; e as alminhas generosas
Andaram de Lisboa embarrilando:
E esses que por obras cavillosas
Se vão da pelintrice libertando; '>^
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
O sr. Almeida era muito conhecido na república
das letras, como autor de dicionários, tais como: o
das Sete línguas, o Illustrado, etc.
Em 1884 deu este autor ao prelo a continuação
da paródia, que ficou abrangendo dois tomos.
Les Lusiades travesties, parodie cn vers burlesques,
grotesques et sérieux — Voyage maritime et pedestre du
Q4 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
s
grrrand porfugais Vasco de Gama par J. R. M. Scar-
ron 11. Porto, 1883.
É um sumário humorístico dos Lusíadas.
Na variante de género é que está o travestissement.
O autor tinha o apelido de Mesnier, era já velho,
e residia no Porto, na rua de Cima de Vila.
Creio que era pai do sr. Qastào Mesnier.
Sua mulher achava-se ausente no Brasil. A ela de-
dica o autor, saudosamente, êsíe trabalho literário.
Na invocação dirige-se Mesnier a Camões, cujo
auxílio implora:
Et toi, Grand Camoens, exhausse mon désir,
Prête moi ton secours, tu me feras plaisir,
Aide moi dans ce jour, et lance dans ma veine,
Le souffle Olympien, de ta divine haleine!
O texto da paródia é composto em alexandrinos
pareados, mas divididos quatro a quatro.
Propõe o autor o assunto dizendo:
Je chante le héros d'un tout petit pays, «
Les trois petits bateaux, ou pressés, reunis,
Sont cent quarante huit, serres comme sardines,
Mais tous forís et nerveux, pourvus de bonnes mines.
Pour tout bien, leur valeur, de vigoureux gaillards
Volant à la fortune, aux perils, aux hazards,
Quittérent, un beau jour, les riants bords du Tage,
Pour affronter les mers, la tempête et Torage.
II falait bien qu'ils soient comme un certain marin,
Qu' Horace dit avoir le cocur doublé d'airain.
PORTUGUESES 95
Au moment de partir, vient un vieux rabaclieur
Qui, je ne sais pourquoi, voudrait leur faire peur;
II airive et se tient sur le bord du rivage,
Puis d'une grosse voix, qui fait trembler le Tage,
II leur dit doucement, etc.
Por uma das poesias líricas, que vêem em seguida
à paródia, sabe-se que o sr. Mesnier, ao cabo de
quarenta anos de residência no Porto, foi juntar-se
com sua mulher no Brasil.
Despedindo-se enternecidamente daquela cidade,
diz êl^:
Dans tes murs glorieux, tous mes enfants sont nés,
Dans ton champ de repôs, plusieurs sont inhumés!.
Cest après quarante ans de tranquille existence,
Qu'il me faut te laisser, presque sans esperance
De te revoir, un jour. . .
Alguns cantos do poema Lusiadcs travesties sào
ilustrados em caricatura por S. S., certamente Sebas-
tião Sanhudo.
Em 1893, o sr. Eduardo Maia publicou no Porto
A Jantareida, paródia a algumas estâncias dos Lusía-
das, oferecida aos alunos do 4.° ano de medicina. Foi
estampada na Imprensa Moderna, sendo a tiragem de
100 exemplares, dos quais 28 numerados,
O texto abrange 15 páginas e compreende 20
oitavas.
96 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
As duas primeiras anunciam a proposição ou ex-
posição do assunto:
Os rapazes alegres, divertidos,
Que da grande estação de Campanhã
Por caminhos já d'outros percorridos
Sahiram certo dia de manhã;
E em folguedos ha muito apeiecidos,
N'uma alegria louca, viva e sã,
Entre gente remota encommendaram
Um jantar que depois enguliparam;
E também as memorias gloriosas
Desses pontos, que foram emlíorcando
O verde, o fino; e as terras tão formosas
Dos arredoies andaram devastando;
E aquelles que em partidas primorosas
Se vão homens de gosto patenteando;
Cantando espalharei por toda a parte, ,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Trata-se de um jantar de quartanistas de medi-
cina, em Ermezinde, uma dessas alegríssimíis festas
de rapazes que deixam sempre grata lembrança é são
recordadas na velhice com funda saudade.
Nada tem de infeliz esta pa-ródia a diversas estân-
cias dos Lusíadas.
Luziada contrafeita á bebedice por Barthoíomeu Va-
rella.
Esta composição herói-cómica, mencionada pelo
PORTUGUESES 97
sr. Ramos Coelho, é a paródia ao canto primeiro dos
Lusíadas, de que já falamos neste mesmo artigo, e de
que Bartolomeu Varela foi um dos colaboradores.
«
Francisco Duarte de Almeida e Araújo, homem de
letras, que foi redactor da Câmara dos Pares (1857)
compôs uma paródia aos Lusíadas. Deixou-a inédita e
por morte do autor nào sabemos o descaminho que
levaria.
*
Parodia, sem pretensões aos «Lusíadas», do nosso
faílecido coílega e illustre thalassa, cidadão Luiz de Ca-
mões..
Esta paródia começou a ser publicada em o
n.° 730, VIII ano do periódico Os Ridículos (18 de
setembro de 1912).
Tem por assunto os acontecimentos políticos que
resultaram da revolução de 5 de Outubro de 1910 e
é assinada com o pseudónimo — Marco António (Antó-
nio Correia Pinto de Almeida).
Foi reimpressa em livro.
Em 1916, o dr. Júlio de Vilhena revelou no vol.
1.° da sua obra Antes da República (Notas autobiográ-
98 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
ficas), pág. 130, que el-rei D. Luís compusera e lhe
lera uma paródia ao canto primeiro dos Lusiadas^Xo-
mando por herói um bacharel em direito, então muito
conhecido.
Vide Bolha e Visão do herói.
M
MACARRONEA LATINO- PORTUGUEZA. — Sob
este título andam encorporadas num volume todas as
composições jocosas, que por diversos autores haviam
sido publicadas em folhetos avulsos.
núcleo inicial destas composições foi o Palito
métrico, por António Duarte Ferrão, impresso a pri-
meira vez- em 1746 \ Depois se lhe foram agregando
.outras produções do mesmo género, em prosa e verso,
até que numa edição feita no Porto em 1791 e na de
Lisboa em 1792 se constituiu, muito aumentada, a
Macarronea latino-portugueza.
A proximidade destas duas edições mostra bem
quanto o género macarrónico merecera entre nós o
agrado público.
1 Inocêncio, no tomo 4.° do Dicc. Bibl., pág. 37, diz ser
este o ano da 1.^ edição; mas no tomo 5, pág. 334, duvida se a
ediç5o de 1765 será a primeira ou a segunda. Foi lapso. O padre
Silva Rebelo freqiientava a Universidade no tempo do reitor
D. Francisco da Anunciação, isto é, entre 1745 e 1757.
PORTUGUESES 99
E aquele género foi-se alargando a ponto de abran-
ger alguns assuntos estranhos à vida escolástica, o que
depõe mais uma prova do interesse que conquistara.
Em verdade raro era o estudante que, principal-
mente em Coimbra, nào sabia de cór trechos do Pa-
lito métrico, ainda nas primeiras gerações académicas
do século XIX.
O autor do Palito adoptara o pseudónimo de Antó-
nio Duarte Ferrão, mas o seu verdadeiro nome era
Joào da Silva Rebelo. Foi aluno da Universidade e
depois reitor da real casa e igreja da Nazaré, na Ex-
tremadura, sua província natal, pois que êle tivera
por berço um obscuro lugarejo ^ próximo da vila de
Alcobaça.
Retirando-se da reitoria, faleceu, octogenário, no
ano de 1790, pouco mais ou menos.
A graça das suas composições humorísticas, como
das melhores que lhes foram adicionadas no volume
da Macarronea, é espontânea e folgazã, desenfado es-
pirituoso de rapazes alegres e trocistas.
É a graça de outro tempo, menos pretencioso do
que o actual, mas que servia excelentemente para co-
lorir a pintura de costumes, que hoje talvez nos pare-
çam ingénuos; graça que fornecia alguns cobres à
magra algibeira dos estudantes talentosos, aliviando a
de seus pais.
1 O lugar de Sortão, segundo Inocêncio; mas este lugar é
tão obscuro que nSo vem citado nas corografias portuguesas, nem
tté no Dicionário Postal.
100 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Naquele tempo ainda se sabia tanto latim, que até
era possível tomá-lo em brinco, sendo aliás a língua
mais séria deste mundo . . . especialmente quando se
fazia exame dela.
Hoje não me parece fácil encontrar em Portugal
seis estudantes que pudessem transitar sobre a esteira
macarrónica do padre Silva Rebelo.
A seu respeito diz Camilo que não teve na Europa
rival naquela sua engenhosíssima especialidade ^.
Um dos colaboradores da Macarronea assinou-se
António Castanha Neto Rua, mas foi o autor da
Mondegueida, isto é, Francisco Manuel Gomes da
Silveira Malhão, o qual destilou prosa de bom conse-
lho aos calouros intitulando-a O sábio em mez e meio.
Faço menção da Macarronea unicamente pelo facto
de nela estarem compreendidas algumas espécies que,
tais como Bisnaga escolástica, Calouriados e Mendica-
nimachia, poderão caber no género herói-cómico.
Por este motivo as destacamos para os seus res-
pectivos lugares nesta nossa resenha alfabética.
MAL (O) DA DELFINA, paródia d < Delfina do
Mal*, por um homem de bem (Guilherme Braga)
Porto, 1869).
Guilherme Braga foi um dos três grandes poetas
modernos do Porto, colocado cronologicamente entre
Soares de Passos e António Nobre.
Mas no género — paródia — ficou inferior a si mes-
1 Cousas leves e pesadas : O académico ambicioso.
PORTUGUESES 101
mO; conquanto fosse um pujante satírico tal como se
afirmou nos Falsos Apóstolos e no Bispo.
Ele próprio reconheceu a sua inferioridade nesse
género quando disse na carta-preambular do Mal da
Delfina: «a paródia para mim fica sendo como Cascaes
para o povo. Uma vez. . . e nunca mais! Quando me
lembro de que escrevi este livro, imagino que tomei
um suadouro».
A técnica do poema é excelente, porque Guilherme
Braga metrificava a primor, e isso já nào é pouco.
Mas a inspiração do autor — como a de todos os
grandes poetas — nào sofre peias nem itinerários obri-
gatórios.
Foi certamente numa aguda urgência de dinheiro
que Guilherme Braga se lembrou de parodiar A Delfi-
na do mal, de Tomás Ribeiro.
MALHO ADA (A).
Este poema, que ficou inédito, foi composto em
verso solto e 5 cantos por Anacleto da Silva Morais,
oficial maior do antigo tribunal da junta do comércio.
Em 1894 o dr. Rodrigo Veloso salvou da obscuri-
dade a Malhoada, dando-a a público em Barcelos, e
bem haja por fazê-lo, pois que ela é um dos nossos
melhores poemas heroi-cómicos depois do Hissope.
Menos ampla na arquitectura e vitalizada por me-
nor fôlego, merecia contudo as honras da impressão.
Como sátira pessoal que é, de carácter principalmente
literário, nào desluz hoje, antes aviva, a memória do
protagonista: António Gomes da Silveira Malhão.
l'02 POEMAS HEROI-COMICOS
Ainda que a existência de Anacleto de Morais
haja excedido o primeiro quartel do século XIX, pode
fixar-se com segurança a época da elaboração da Ma-
Ihoada; foi anterior a 17S6, ano em que faleceu An-
tónio Malhão.
Este rapaz era filho do bacharel Agostinho Gomes
da Silveira, natural de Óbidos, e de uma senhora, da
família Malhão, oriunda do Lumiar, termo de Lisboa.
Teve irmãs e irmãos: creio que, ao todo foram
oito. Mas só António e Francisco adoptaram o apelido
Malhão; os outros assinavam-se apenas Silveira.
Francisco nascera um ano antes de António.
Ambos estes irmãos cultivavam as iVlusas, e tiveram
fama como repentistas, especialmente António, o qual
morreu aos 28 anos.
Algumas das suas poesias líricas sairam póstumas
com outras de Francisco Malhão num pequeno volu-
me impresso em Coimbra no ano de 1787.
Mas a principal torrente da inspiração daquele
malogrado moço malbaratou-se em improvisos, que
tiveram uma hora de celebridade em Lisboa e Coim-
bra, e de que apenas restam hoje escassos fragmentos.
Um deles conhecemos nós: é uma das glosas com
que respondeu em Coimbra ao mote O teu rosto en-
cantador:
Quiz um dia a natureza
Fazer uma cousa rara,
E consta que meditara
Mais de uma vez nesta em.presa :
Da branca neve á beleza
PORTUGUESES 103
Juntou do carmim, a côr;
Poz-lhe fogo abrazador;
Tudo o que é belo lhe uniu,
E desta massa sahiu
O teu rosto encantador.
Esta amostra dá-nos a medida do seu mérito como
apreciável improvisador que era.
Nas Obras poéticas de Francisco Dias Gomes, pu-
blicadas por Qarçào Stóckler, encontra-se a pag. 38 a
seguinte nota:
«António Gomes da Silveira Malhào, de quem o
Author aqui falia, e que faleceu na flor da mocidade,
foi dotado de hum muiio grande talento poético, e
possui o dom de improvizar em gráo muito destincto.
Aos dotes do espirito unia os do coração. E se a
morte o nào tivesse roubado tào cedo ás letras, teria
sem duvida sido hum dos Poetas, de que a Naçào
Portuguesa poderia gloriar-se, etc.»
É um juízo desapaixonado e insuspeito.
Na edição da Malhoada feita em Barcelos sobre
uma cópia existente em Évora, falta o Argumento, que
precede o poema noutra cópia que eu possuo, escrita
em letra do século 18.°.
Por este motivo, e porque deixa entrever as origens
da Malhoada, transcrevo textualmente o
Argumento
«António Gomes Malhào achando-se no Cirio da
Nazareth a tempo em que no mesmo sitio se achava
104 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
huma grande parte da Nobreza desta Corte, apareceu
entre ela compondo ao som de huma Viola varias tro-
vas, em que se notava mais a precipitada promptidão
com que eram feitas, do que a beleza que deviam ter.
«Certo Cavalheiro desta Corte, que escutava os
seus improvisos, reconhecendo-lhe alguns talentos, e
persuadindo-se que cultivados estes com hum serio
estudo o poderião fazer feliz, mediante a sua Protec-
ção, o trouxe na sua companhia para Lisboa. EUe
abuzando deste favor, e afastando-se deste projecto,
cerrou os Livros, e se negou a os Estudos, e enfu-
nado dos Louvores de cabeças ocas, se julgou per-
feito e consumado Poeta, insultando até aquelles que
no principio lhe emendarão os Versos, e prudente-
mente o aconselhavão. Este entusiasmo lhe quiz abafar
o Autor desta Obra com huma Critica que intitulou
= O Malhão = e estes sucessos constituem a acção do
presente Poema.
«Espalhada por Lisboa a Critica, se levantarão a
mal dizella os Apaixonados do nosso Heroe, fazendo-
Ihe alguns Cortes, a que se respondeo no Quinto
Canto, que forma o Episodio de Marta Vaz.
«O breve espaço em que foi traçada esta Obra,
pode servir de desculpa a alguns descuidos, que o
Autor nella tivesse, e que não deixará de emendar
para o futuro, e quando os nimiamente escrupulosos se
não satisfação, ponhão em publico as suas objecções
que sendo justas, serão gratamente abraçadas, e sendo
tão fúteis como as 'primeiras, se tratarão com o des-
prezo que estas merecem».
PORTUGUESES 105
Para verificarmos os motivos que presidiram à
elaboração da Malhoada não temos hoje melhor con-
traprova do que as breves notícias que da biografia
de António Malhào encontramos na obra de seu irmào
Francisco.
Referimo-nos à Vida, e feitos de Francisco Manoel
Gomes da Silveira Malhão, escrita por elle mesmo.
Nào foi uma pessoa da corte que trouxe António
Malhão para Lisboa depois de o ter ouvido improvisar
nas festas da Nazaré.
Ele saíra da casa paterna, em Óbidos, para ir
cursar humanidades nas aulas do convento de Mafra.
Diz Francisco Malhão:
«Meu Irmão, que igualmenite se achava em Mafra,
tinha hum geito decidido para a Poesia, e era acom-
panhado de huma facilidade summa em fazer os ver-
sos unindo a isto hum enthusiasmo extraordinário,
que só quem o ouvio, e vio pode fazer delle hum
ajustado conceito. Elle era de um temperamento colé-
rico, sem ser em demasia, etc. ^».
De Mafra fugiu para Lisboa, nào sob o patronato
de algum fidalgo, mas para esquivar-se à vontade do
pai, que de mótu próprio resolvera fazê-lo seguir a
vida monástica ^.
Ao passo que Francisco Malhào estava em Coim-
bra, no intuito de formar-se, vivendo da publicação
de alguns opúsculos e principalmente do favor de
1 Tomo I, pág. 81-82.
2 Mesmo tomo, pag. 109.
106 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
estudantes, António sustentava-se em Lisboa do prestí-
gio que lhe adviera do seu talento de poeta e de im-
provisador, graças à liberalidade de amigos e admi-
radores.
Assim viveram outros poetas no século XVIII: a
mendicidade literária era costume do tempo, e nào
parecia abjecta como hoje se nos afigura.
Principalmente a nobreza prezava-se de proteger
poetas: todos os fiaalgos queriam imitar Mecenas e
os Médicis,
Da casa paterna exíguos recursos podiam receber
Francisco e António iVlalhào. O pai tinha meios, mas
nào se alargava com os dois filhos que aventurosa-
mente haviam saído de casa.
A Francisco dissera muitas vezes: «Vai para onde
quizeres, mas nào me peças dinheiro nem cavalga-
dura» .
Com António ainda seria menos indulgente, por-
que este filho lhe fugira para evitar ser frade.
Mais tarde, a casa do pai dos Malhòes sofreu um
grande desfalque, e a vida de família, em Óbidos,
tornou se muito apertada.
Natural era que António Malhào, em Lisboa,
adquirisse ruidosa fama, nào só pela sua facilidade
de improvisação, mas também pela espécie de fúria
poética em que entrava quando compunha os impro-
visos.
A Malhoada descreve a vida de Malhào na capital,
vida de poeta boémio e estúrdio, mal vestido e des-
grenhado.
PORTUGUESES 107
Anacleto de Morais, na sua qualidade de grave
burocrata, nào se bandeava nesta classe, e o seu ta-
lento literário era por isso menos celebrado.
Contudo parece que alguma vez tivera ocasião de
aproximar-se do repentista obidense; e até se depreende
do Argumento que lhe dera conselhos no sentido de
aprimorar o estro e aplicar-se ao estudo.
• Provavelmente, António Malhào, na sua liberdade
de boémio e com o seu génio fogoso, responderia
torto, com sobranceria ou independência.
O que é certo é que Anacleto de Morais planeou
a Malhoada para demolir o improvisador ovante.
Não o conseguiu, porque as sátiras nunca fizeram
mal a ninguém; pelo contrário, chamam a atenção e
a simpatia do público para as suas vítimas.
Malhão teve defensores fervorosos, que Morais
classifica de suspeitos por apaixonados.
Não sei como o poeta se desagravaria em confor-
midade com o seu génio colérico ao ter conhecimento
do poema por alguma cópia ou, quando menos, por
atoarda. A resposta seria corporal ou literária? Eis o
que até agora se não pôde averiguar ainda.
A Malhoada, sobre nào prejudicar a popularidade
do protagonista, tem hoje o valor de fixar o seu tipo
'de poeta improvisador, que sem ela ficaria apagado.
Morais fornece-nos em caricatura o retrato de An-
tónio Malhào:
. . .rapaz de pouca barba,
Que pretende fazer soar seu nome
108 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Nas espaçosas ruas de Lisboa.
Pende-lhe da cabeça ao vento ondeando
Hirsuta grenha nunca penteada,
Retostadas bochechas, nariz rombo,
Média estatura, gesto empavezado,
Annosas vestes os seus membros cobrem,
E tem nas longas pernas encaixadas
Botas alarves de rugosa pelle.
Está-se vendo o poeta errabundo e pobre, classe
de que Bocage fora mais tarde a figura primacial..
Nào louvamos a Anacleto de Morais os sentimen-
tos de emulação e despeito, que transparecem da Ma-
Ihoada.
É porém, certo que Morais tinha evidente mérito
literário, posto talvez lhe faltasse a faculdade de re-
pentista, principal fonte da celebridade de António
Malhào.
Alguns episódios do poema, descontada a azeda
fantasia em que assentam, sào reconhecidamente inte-
ressantes, e a disciplina académica da composição re-
vela já a influência da Arcádia, especialmente de An-
tónio Denis, como Anacleto de Morais confessa quando
exclama invocando a Musa:
Se já nas margens do aprazivel Sena
Ao famoso Boileau tanto illustraste,
E se por teu influxo encheu de assombro
A lusitana gente o grande Elpino,
Benigna inflamma o temeroso vate,
Que a voz levanta ao ar desconhecido.
Era esta falta de disciplina literária que o irritava
PORTUGUESES 109
em MalhãO; aliás mais. estimado e popular do que o
seu emulo.
Alguns estudantes naturais de Coimbra pescaram nas
margens do Tejo, António Malhào, como diz seu irmão
Francisco, e levaram-no com eles para aquela cidade.
Aí reunidos, os dois irmãos fizeram as delícias
da academia nos outeiros de Lorvão, nas funçanatas
de Sendelgas, nos passeios às Torres, nas comemora-
ções universitárias e nos serões coimbrãos da rapaziada.
Falando da república dos pescadores de António
Malhão, que era no beco de S. Marcos, diz seu irmão
Francisco que aquela casa «foi por quasi um anno,
hum Parnaso urbano, povoado de musas machas, e
de Apollos de batina».
Depois, reconhecendo a superioridade do irmão,
acrescenta: «estro assim, promptidào similhante, oc-
curencia de ideas poéticas tão fácil, e verbosidade
tão prompta, se algum outro a tem, eu não o conheço;
e deste mesmo voto achei a quantos huma vez o ou-
virão: e ralhem muito embora os que forão seus emu-
las, que aquelle cabedal que dizião faltar-lhe, podia, e
estava a ponto de adquirir, etc. ^».
É clara a alusão à Malhoada.
Os dois irmãos inventaram em Coimbra uma es-
pécie de «canto amabeo ^» sobre qualquer mote, al-
1 Vida e feitos, tomo II, pág. 118.
2 O canto amabeu era originário da Grécia heróica, uma
canção dançada, em que raparigas e rapazes formavam círculo à
roda de um par, e representavam sucessivamente a expressão do
amor, do ciúme e da galantaria nupcial.
110 POEMAS HEROI-COMICOS
ternando-se na glosa, coisa de que a academia muito
gostava.
António Malhão, nesses momentos, «ateava-se de
maneira, que nem via, nem ouvia, e por fim de con-
tas, e de hum improviso cantado, e outro de Decimas,
que mal mediava, do que acabava ao que começava
de novo, hum ápice; sahia da funçào com febre: se
cuidào que isto he exaggeraçào, visto que nelle já se
não pode fazer experiência, pergunte-se a milhares
de pessoas que o virão, e que o obrigavào a pôr
termo a seus improvisos, doídos do estrago de sua
saúde ^».
Efectivamente António Malhão principiava a ser
apalpado pela doença, que suponho ter sido a tuber-
culose.
Mas ainda assim nào evitava as ocasiões de
improvisar, e continuava fazendo-o com grande exal-
tação.
Mas a doença cresceu, e o pobre moço teve de
recolher-se a Óbidos, já crente no próximo termo de
sua existência ^.
Faleceu em dezembro de 1786.
O irmão, ao regressar de Coimbra, teve conheci-
mento desse triste sucesso.
«Suave e única consolação me forào as notícias da
sua resignação, e conformidade, com que se desape-
gou de hum mundo, aonde achou estimação, e rega-
1 Mesmo tomo, pag. 20.
1 Tomo III, pág. 57-58.
PORTUGUESES 1 1 1
los; podendo dizer-se delle, que viveo como quiz, e
morreo como devia, a pesar de trabalhos nascidos da
emulação ^».
António Malhào, se bem que muito inferior a Bo-
cage, pode comparar-se com êle na vida boémia, na
facilidade de improvisação, e na morte crista que am-
bos tiveram.
irmào compôs dois sonetos pranteando o
passamento de António. Destaco um terceto em
que diz:
Quiz-ie mal, quem atraz de ti voava,
Amou-te quem teus dons pezar sabia ;
E tua Musa as bocas vis calava.
A
Este último verso faz supor que Anacleto de
Morais não ficaria sem resposta. Mas onde estará
ela?
V..
António Lobo de Carvalho, o Lobo da Madra^ôa.
também foi emulo de António Malhào, a quem chamou
poeta coxo num dos seu sonetos.
Francisco Malhào, depois da morte de António,
concluiu a formatura em direito, casou em Óbidos,
abriu aí banca de advogado, mas nunca deixou de
cultivar a poesia e a improvisação, nem perdeu nunca,
como os outros poetas da mesma época, o feitio de
cantar pessoas que pudessem recompensá-lo.
A seu respeito vide Mondegueida.
1 Mesmo tomo, pág. 72.
112 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
MAQUINA (A) aerostatjca, poema épico por João
Robert da Fond dedicado a si mesmo. Lisboa: Na Offic.
de Lino da Silva Godinho. Anno de M.DCC.LXXXVÍL
Com licença da Real Meza da Commissão Geral sobre
o Exame, e Censura dos Livros. 52 pags.
Inocêncio diz que este poema (de que apenas saiu
o canto I) é raro, e supõe que o será por ter sido
mandado recolher depois de haver sido autorizado
pela Censura. Do autor, cujo apelido inculca origem es-
trangeira, menciona Inocêncio duas outras publicações.
Mas nada mais se sabe de sua vida e pessoa a
não ser o que pode depreender-se das II e III oitavas
do poema: que era baixo e de compleição íYaca, e
que gostava de vinho.
O assunto do poema, que parece envolver, em
muitas alusões pessoais hoje indecifráveis, qualquer
aventura aerostática, é assim proposto pelo autor:
Canto o valor, a força, o atrevimento
Desses Heroes, que atravessando os ares,
Prendendo o fumo, e sujeitando o vento
Vezitárão da Lua ilhas, e mares.
Façanhas taes, tão celebre portento,
Não poderão fazer os doze pares;
Nunca se acharão, digo, em igual dança
Bertoldo, Dom Quixote e Sancho Pança.
O autor remata o canto 1.° dizendo:
A Deos, boa noite. Eu me recolho em tanto
Para cismar no meu segundo Canto.
Mas do 2.° canto nào há notícia alguma.
PORTUGUESES 113
MARIOLADA (A): poema heroi-comico, dedicado d
musa do reverendo José Agostinho de Macedo, a formosa
estanqueíra do Chiado; pelo seu auctor, o Gigante Vo-
raz. Composto em 1813.
É de José Anselmo Correia Henriques.
Inocêncio viu uma cópia, que Ferreira da Costa
possuia: diz que o poema consta de 3 cantos, prece-
didos de uma introdução em verso.
O ódio entre Correia Henriques e o Padre José
Agostinho de Macedo vinha de longe: dos primeiros
anos do século XIX, como se verifica pela data ,
de 1813.
A Mariolada conjugar-se-ia com a Correiada, pro-
jectado poema de José Agostinho. (Vide Correiada).
MEDICA PALESTRA por Fredoal Lisboa, 1895.—
Talvez lhe possamos chamar um poema herói-cómico,
cujo assunto são as mistificações e charlatanices da
classe médica.
O seu autor, o sr. dr. Alfredo (de que Fredoal é
anagrama exacto) Luís Lopes provou assim mais uma
vez que nào fazem dano as musas aos doutores, pois
que êle próprio é medico.
O título da composição explica-o o autor dizendo
que nos seus versos
... .só existe o simples goso
Da palestra entre amigos, em recreio.
MEETING (UM) NA PARVÓNIA, poema num
canto. Lisboa, 1881.
8
114 POEMAS HEROI-COMICOS
MENDICANIMACHIA ou batalha entre huns Pobres
pedintes, e Cães, sobre a pertença da carne de hum boi
morto. Braz Dias Côdea, que a presenceou, a escreveo em
obsequio de seu Amigo e Compadre Pascoal o Cego.
Nem lugar de impressão nem data.
É um poema escrito em verso pareado e sem a
divisão do texto em cantos.
Tanto os mendigos como os cães se dispõem a
comer uma rês morta, que é abandonada pelo dono em
razão de não poder aproveitá-la para o consumo pú-
blico.
Trava-se combate entre uns e outros, e são os
mendigos que levam a melhor.
No dia seguinte, um galgo vai fazer queixa do
resultado da contenda ao fidalgo seu dono, e, para o
comover, confronta as condições de vida da raça ca-
nina com as da classe dos mendigos, acabando por
pedir-lhe que nunca mais mande dar de comer a estes.
O fidalgo responde que o dever de um cristão é
matar a fome a quem quer que seja, cão ou homem;
e, para compensar os cães, manda que só a eles per-
tença a primeira rês que morrer.
Reconhecidos ao galgo, a cujo discurso atribuem
tão farta comesaina, os outros cães lisonjam-no
servilmente, e nisto é que está a moralidade do
conto :
Depois que sem rivaes se saciarão,
Davão mil carreirinhas, e no cabo
Lhe vinhâo a cheirar todos o labo;
E gratos á mercê, que tinha feito,
PORTUGUESES 115
Lhe conservarão sempre tal respeito,
Que em quanto o seu focinho não mettia
No alguidar do comer, nenhum comia.
A
Este exemplo de gratidão duradoira admite-se. . .
por ser canina.
A Mendicanimachia, como outros folhetos de lite-
ratura popular, passou para a Macarronea latino-portu-
gueza. Na edição de 1791 ocupa lugar no Contrapezo
da mesma Macarronea desde a pág. 257 até à pág. 277.
MINISTRADA (A) dada á luz por um amador da
tranquillidade Lacobricense.
Apenas sei que este poema existe, pois não tenho
outra notícia dele se não a que diz respeito ao título.
Parece, a julgar pelos dizeres do frontispício, que
o autor foi natural ou pelo menos habitante de Lagos.
MODERNOS (OS) lusos, poema em 1 canto por
César Augusto Falcão. Lisboa, 1867.
É uma sátira ao campo de manobras estabelecido
na charneca de Tancos por Fontes Pereira de Melo,
quando ministro da guerra em 1866.
MOMO. ^
O prestante bibliógrafo Inocêncio revelou, no Ar-
chivo Pittorcsco (IV pág. 152), que o poeta da Nova
Arcádia — Francisco Joaquim Bingre — geralmente
designado cisne do Vomga, tinha deixado um poema
herói-cómico sob o título de Momo.
Não diz claramente que este poema ficasse inédito,
116 POEMAS HEROI-COMICOS
mas é provável que sim. As composições de Bingre
não publicadas preencheriam o melhor de quatro vo-
lumes. Está neste número um poema de outro género
(apologético) intitulado As Mulheres, de que possuí
cópia integral; e do qual o sr. dr. Melo Freitas diz
no seu livro Violetas (1878) que Bingre o nào pôde
aperfeiçoar.
Nunca vi cópia nenhuma do Momo nem sequer
algum excerto, e por isso nào posso senào repetir a
vaga indicação bibliográfica fornecida por Inocêncio.
MONDEGUEIDA: poema estrambótico. 1788. Por
António Castanha Neto Rua.
É pseudónimo. O autor foi o então estudante de
direito — Francisco Manuel Gomes da Silveira Malhão,
natural de Óbidos, e irmão do malogrado António
Gomes da Silveira Malhão. (Vide Malhoada).
Não obstante aquele pseudónimo, o próprio autor
se desmascarou quando no 3.° tomo da sua Vida e
feitos (1793) incluiu a Mondegueida.
Este poema, que se compõe de 4 cantos em quin-
tilhas, celebra uma grande cheia do Mondego, em
consequência da qual pôde o mesmo rio «deixar a
nado a Cidade baixa; montar por cima da ponte, e
arruiná-la; desmanchar os morros da Portela; arrancar
estacadas, e finalmente pôr toda a gente huns em
aperto, outros em pasmo, e admiração ^».
1 Vida, e feitos de Fraficisc? Manoel Gomei da Silveira Malhão,
scrita por ele mesmo, tom. III, pig. 138.
PORTUGUESES 117
Francisco Malhão foi um dos mais estimados estu-
dantes de Coimbra no século XVIII, e o talento poé-
tico serviu-lhe por vezes para acudir a dificuldades
financeiras, de par com o favor de amigos.
Tal lhe sucedeu com a Mondegueida.
«Este Poemasinho — diz êle — teve acceitação, e
rendeo seus tostões, que vierào a pedir de boca, em
razào de vestuário, e de ir comprando alguns livros,
de que tinha precisão, pois nenhum Official pôde tra-
balhar sem ferramenta: daqui veio fazer trocas com
Livreiros, de quem me persuado, que ainda não ha-
veria, quem delles reportasse cómmodo: e com effeito
foi o meu celleirinho, que fui mandando para casa,
e com que me achei depois».
A Mondegueida tem, realmente, graça, e a metrifi-
cação das quintilhas é fluente.
autor não pensou nunca em educar a sua vo-
cação poética, mas dispunha de veia espontânea. Cul-
tivou muito o improviso e, com a viola na mão, a
cançoneta e a modinha.
Onde êle estava não h^via tristeza; contudo diz-
-nos que às vezes era assaltado de «camarço» ou me-
lancolia, a que foram sujeitos todos os seus parentes
pela linha materna \
Este paradoxo frequentemente se observa nos acto-
res e poetas cómicos.
Como improvisador, teve ensejo de concorrer com
Bocage.
1 Vida, e feitos, tom. I,pág. 113.
118 POEMAS HEROI-COMICOS
Conta-se que encontrando-se ambos nas Caldas da
Rainha, alguém lhes dera este mote:
Um burro, um frade e uma freira.
Malhão respondeu ao mote com a seguinte qua-
dra:
Sahiu um garoto á pressa
A buscar uma parteira,
Porque viu estarem juntos
Um burro, um frade e uma freira.
E Bocage glosou-o assim:
Casou um bonzo na China
Co'uma mulher feiticeira:
Nasceram três filhos gémeos,
Um burro, um frade e uma freira.
Uma noite, em casa de Pimentel Maldonado, certa
dama, na presença de Bocage, deu mote ao Malhão,
que se demorou um minuto em responder.
Bocage, insofrido, quis interjjpr-se com- uma glosa,
mas a dama pediu-lhe que esperasse por o Malhão.
Ardendo subitamente em despeito, Bocage apos-
trofou:
— O Malhão, faze lá meia dúzia de chançonetm,
que é pasto de tolos.
A dama soube conter-se, e, depois de Malhão ter
recitado, voltou-se para Bocage a dizer-lhe graciosa-
mente:
PORTUGUESES 1 IQ
— Ora vamos, sr. Bocage; há pouco pintou-me
tola; agora peço-lhe que faça o meu retrato.
Elmano, logo subjugado e macio/ improvisou o
belo soneto que principia:
Pode o tosco pincel, que mal sustento, etc.
Francisco Manuel Gomes da Silveira Malhão foi
pai do famoso orador sagrado Francisco Rafael da
Silveira Malhão, honra do púlpito português.
MONOCLEA (A), poema de Frei Simão António de
Santa Catharina — /.^ impressão. Barcelos, 1894.
Este poema conservava-se inédito, e foi uma cópia
existente na Biblioteca de Évora a que o benemérito
bibliógrafo dr. Rodrigo Veloso aproveitou para a pri-
meira impressão ou edição.
Moveu-o decerto a fazê-Io a notícia recomendató-
ria que por Cunha Rivara foi publicada em 1840 no
Panorama (vol. ÍV).
E certo, porém, que o único merecimento do poe-
ma está na originalidade do assunto; quanto a valor
literário é um fiel espelho da sua época — princípio do
século XVIII — ainda eivada de influência gongorista
e dominada pela grafomania, insulsa e prolixa, de fra-
des jocosos ou galanteadores.
Frei Simão de Santa Catarina ou Simão Antunes
Freire de Santa Quitéria — como diz a cópia de Évora
— nasceu em Lisboa no ano de 1676, ou talvez antes,
chamou-se no século Simão Lopes, professou no Ins-
120 POEMAS HEROI-COMICOS
tituto de S. Jerónimo em 1696, foi lente de teologia
moral no convento de Belém, sócio de várias acade-
mias, e faleceu a 16 de maio de 1733.
Era cego de um olho e por isso se lembrou pro-
vavelmente de celebrar num poema nào só os cocles
ou zarolhos notáveis, mas até êle próprio; daqui o as-
sunto e tíulo do poema — A Monoclea.
A partir do céu, que tem um só olho — o sol —
frei Simào vai passando em revista na terra alguns
monóculos da História e da Fábula, nem sempre dos
mais conhecidos, e a si mesmo se mete ria galeria
acima de Camões, embora mostre querer fazê-lo por
jocosidade.
Nas estâncias 25, 26, 27, 142; 143, 144 e 145
(o poema tem ao todo 151.^) Frei Simão preconiza-se
galhofando e numa delas solta esta empavesada após-
trofe :
Tu que no metro foste mais avante
que o famoso Camões, como elle disse,
illustrado d'aquelle Apollo ovante,
que ás vezes faz dizer muita parvoíce;
o soneto em que o diz está bastante,
e porque pode ser que se não visse,
no fim da Monoclea vae copiado,
bem que já vezes mil anda estampado.
Alude a um soneto em que finge ser louvado por
Camões e cujo remate soa deste modo :
Mas tu, do olho do mundo na alta esphera,
direito ficarás qual eras de antes,
e eu torto ficarei qual dantes era.
PORTUGUESES 121
Não se pode ser mais imodesto no gracejo.
O poema é seguido de notas, umas do próprio
autor, outras do erudito editor: é de um feixe de com-
posições métricas em elogio dos monóculos.
Costa e Silva, no Ensaio biographico-critico (to-
mo IX, pág. 292) dá notícia de outro poema joco-sério
composto por Frei Simão e cujo assunto eram as elei-
ções de prelados e preladas dentro dos conventos.
Foi pena que se perdesse este poema — até hoje
ainda não aparecido — porque êle, embora provavel-
mente idêntico em valor literário à Monoclea — conta-
ria episódios interessantes dessas renhidas lutas eleito-
rais de frades e freiras.
MONTEIROPEDES, fragmento heroj-comico por
Félix Ramos. Porto, 1887.
Canta, em 30 páginas, os longos pés de um pro-
fessor portuense de ensino livre, que foi meu condis-
cípulo no liceu' nacional daquela cidade, e que ainda
há poucos anos tive o prazer de encontrar ali no
gozo de uma robustez salubérrima, firmado em mais
sólidas bases do que os pés de barro de Nabucodo-
nosor. Ainda bem que a sátira o nào amofinou cor-
rosivamente. Nem o caso era para tanto, porque não
passou de uma galhofa hiperbólica, em que o autor
revelou maiores faculdades poéticas do que sarcásticas.
Hoje, vinte e dois anos depois, o crítico e o criti-
cado poderiam apertar-se a mão sem rancor.
Nesta composição herói-cómica (mais propriamente
sátira) escrita em versos pareados, alexandrinos e de-
122 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
cassílabos, há algumas referências picantes a pessoas
e costumes portuenses daquela época.
M UR RAÇA (A) poema épico em 3 cantos. Porto,
Typ. do Ecco Popular, Rua do Bomjardim n.° 650
— 1848.
O autor foi Camilo Castelo Branco, e o assunto
do poema, em oitava-rima, o conflito ocorrido no
claustro da sé do Porto entre o cónego Joào Bernardo
€ o arcediago Francisco de Passos de Almeida Pi-
mentel.
Deu causa a este conflito ter o cónego acusado o
arcediago de acumular o subsídio de deputado da
nação com os benesses da sé.
Indo ao Porto no primeiro ano da legislatura, o
arcediago encontrou o cónego na passagem do coro
para a casa das murças e sovou-o a murros.
A primeira edição do poema é muito rara; mas
em 1889 fez-se no Porto uma reimpressão imi-
tativa.
Consta a Murraça de 32 estâncias em 15 pá-
ginas.
A metrificação é menos imperfeita que a dos Pun-
donores desaggravados e Juizo final, mas ainda bastante
desleixada. Contudo a graça deste poema é já superior
à dos outros dois que o precederam três anos. De uma
e outra asserção faz prova a primeira estância:
Os cónegos e os socos bem puchados
Que da Sé episcopal na sacristia,
PORTUGUESES 123
Em queixos nunca d'antes soqueados
Ferveram com rev* renda valentia:
E aquelles que deverem ser cantados
Quaes filhos de sagaz patifaria,
Cantando, espalharei por todo o Porto.
Qual se espalha o fedor do cão já morto.
Fez-se 3.^ edição: Figueira da Foz, na Imprensa
Lusitana, 1916. Ilustrada* com uma carta inédita do
autor e palavras do editor.
A carta, datada de 1875 e dirigida ao escritor An-
tónio Francisco Barata, o grande romancista confes-
sa-se pai do poemeto, que jovialmente classifica de
ingénua frioleira. ^
O editor desta 3.^ edição foi o sr. Cardoso Mata,
conhecido publicista.
Vide Pundonores desaggravados e Juizo final.
MUSICOGRAFIA (A) por Alfredo Carvalhaes; Por-
to, 1880.
É uma composição herói-cómica em paródia à Ju-
dia de Tomás Ribeiro.
O autor era natural do Porto e ali morreu prema-
turamente.
Uma cantora nascida em Lordêlo (do Ouro) tran-
sige com um boémio que desfazia nos seus méritos
artísticos :
Eu fecho a boca ás cantigas,
Tu soff reia a troça obscena , . .
O negocio vale a pena. . .
Está fechada a sessão.
124 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
A acção passa-se no Porto;
Viu ! Cruzei a extensa rede
Das calçadas da Parvónia !
Ai, desgraçada Laponia !
Ai pátria de Manoel Zé ! 1
D 'aqui o Douro ; no cimo
Do Pilar a serra, em frente
O seminário potente. . .
E ao fundo, o largo da Sé !
Com o título A almofada da rainha publicou o
sr. José de Freitas Costa (Porto, 1881) uma paródia
à poesia de Tomás Ribeiro — O tear da rainha, mas
esta paródia não se filia propriamente no género
herói-cómico.
N
NA CIDADE DA VIRGEM, poema heroe-comico
em três cantos, por António de Vasconcellos — Canto
primeiro. Porto, 1884.
Apenas conheço este primeiro canto, que constitui
um opúsculo de 15 páginas, com dedicatória em
prosa (a Camilo Castelo Branco) e um prólogo em
1 Célebre pelos carroções que fornecia aos portuenses.
PORTUGUESES 125
decassílabos soltos, que é a metrificação seguida pelo
autor.
Não sei se chegaram a publicar-se os outros dois
prometidos cantos.
O primeiro mais parece uma sátira a costumes e
usos portuenses, especialmente à procissão de Corpus
Cristi, que largamente descreve, do que o início de
qualquer acçào integral que vá desenroiar-se num
poema herói-cómico.
Este nosso reparo conforma-se tanto com o título
e texto do poema como também com a exposição do
assunto feita no prólogo:
Eu canto o Porto e mais particularmente
Canto a rua Chã, rua do Bairro
Primeiro da cidade: a Sé chamado, etc.
Os versos, como se vê, não sào perfeitos nem
bons; antes abundam os incorrectos e desleixados.
Pena é que seja assim, porque o autor quási sem-
pre observa e descreve com verdade e justeza. Dêmos
um exemplo:
ó Porto, ó terra de mulheres formosas,
Martyres de sacrifício ! — O amor n'ellas
É um rei tão despótico e absoluto,
Que, qual Miguel, aquelle amor envia
Á forca a honra d'ellas, seu bem-estar.
Sua felicidade; as portuenses
Corajosas ás vezes mais que os homens
Têm um defeito só: o ser ciumentas.
126 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Quebram vidros, desmaiam, têm ataques
De raiva dominada, presentindo
Uma rival . . .
Já antes aêste poema herói-cómicO; como se vê de
um anúncio na capa do mesmo poema^ tinha o autor
publicado uma colecção de Sonetos, que inteiramente
desconhecemos.
NARIGUEIDA. Nào conheço este poema senão de
nomC; pois o vejo mencionado por António Maria do
Couto no — Preliminar — da sua tradução portuguesa
da Batrachomyomachia (Lisboa^ 1835).
NIVELEIDA (A).
Este pequeno poema vem transcrito no livro de
Trindade Coelho — In illo tempore. ■
É uma troça a determinado grupo de estudantes
quC; por hostilidade a outro, proclamava a necessidade
de «elevar-se o nível da academia coimbrã» para sua
maior dignificação.
Foi composto em oitava-rima, na aula do dr. Pita,
pelo académico António Cabral, que na monarquia
foi ministro das obras públicas, e depois da marinha,
sendo também autor de dois valiosos estudos sobre
Camilo e Eça.
Trindade Coelho anotou naquele livro este chis-
toso improviso.
Em resposta à Niveleida saiu A Bolha, que também
chegou ao nosso conhecimento por intermédio do
In illo tempore.
PORTUGUESES 127
PADEIRA (A) de Aljubarrota, poema eroico-comico
em cinco cantos, imitação da <Puceíle» de Voltaire por
J. A. C. H. (José Anselmo Correia Henriques). Ham-
burgo, 1806. Em 4.°, 62 páginas, verso solto.
Sào indicações colhidas no Dic. de Inocêncio e no
Caf. Fernandes Tomás.
Eu não encontrei exemplar algum deste poema
nem nas bibliotecas públicas de Lisboa, nem no mer-
cado.
Com razão observa Pinheiro Chagas (Dic. Pop.) »
que o autor «era um voltairiano, mas não um liberal».
E não é esta a única antinomia a notar na vida
de Correia Henriques. Também é saliente a de êle
folgar com a restauração absolutista de 1823 e ser
inimigo pessoal, do Padre José Agostinho de Macedo.
(Vide Correiada e Mar colada).
Suspeito que J. A. Correia Henriques, imitando
Voltaire, meterá a ridículo a popular tradição portu-
guesa de Brites de Almeida. Pois se assim é, imitou
Voltaire no que êle produziu de mais repugnante
como francês e como homem de letras: La Pucelle,
O ódio ao clericalismo levou o escritor francês a
conspurcar uma das mais belas tradições da França;
e foi impelido por idêntico móbil que êle traduziu um
128 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
trecho do 1.^ canto do Hudibras de Samuel Butler.
Nào tolera a consciência humana que se escrevesse
um poema obsceno a respeito de Jeanne d'Arc. Tem
carradas de razão Bruno quando diz: «O poema de
Voltaire é uma bestialidade, é; mas é, também, uma
necedade "*■».
Filinto Elísio traduziu três cantos da Pucelle, e
parou aí.
Mais lhe valera nào ter começado. ,
PAES (OS) da Mãe Pátria, Lisboa, 1872.
Em XIX pequenos cantos celebra o autor as ca-
linadas e bernardices de vários deputados da naçào.
Eu canto, á lyra mofina,
Em versos mal acabados,
Uns patuscos papa fina,
A que chamam deputados.
autor foi Gastão da Fonseca, 1.° oficial de ta-
quigrafia na Câmara dos Deputados, e por largos
anos redactor do Diário Ilustrado. Faleceu a 15 de
Agosto de 1884.
Em rieor não cabe aos Paes da Mãe Pátria a cias-
sificaçào de poema, porque lhes falta unidade de
acção; mas pode admitir-se que os mencionemos neste
lugar, atendendo a que os heróis são tantos quantos
os deputados calinos ali surpreendidos nas suas proe-
zas contra a sintaxe e o senso-comum.
1 A idéa de Deus, pág. 167.
PORTUGUESES 129
PALITO MÉTRICO,
Vide Macarronea,
PARODIA do poema de Aí. Pinheiro Chagas, offere-
cido a A. F. de Castilho, auctor da Mnemónica, Arte de
metrificação. Abe repentino, etc.
Esta paródia ao Poema da Mocidade é uma das
muitas composições de vária espécie a que deu origem
a carta de Castilho apensa àquele poema e dirigida ao
editor António Maria Pereira.
Antero de Quental e Teófilo Braga foram atingi-
dos de relance nessa notável carta literária por uma
alusão às Odes modernas e Tempestades sonoras, que
recentemente haviam publicado.
Rompeu o fogo contra Castilho, no folheto Bom
senso e bom gosto, Antero de Quental. Responderam-
-Ihe Pinheiro Chagas, Manuel Roussado, Júlio de Cas-
tilho. Veio à carga Teófilo Braga com o folheto As
Theocracias litterarias. Engrossaram de uma e outra
banda as hostes guerreiras e aguerridas. Na de Cas-
tilho também se enfileiraram Camilo Castelo Branco
e Ramalho Ortigão. Este, por causa do seu opúsculo
Litteratura d'hoje, teve um duelo no Porto com Antero
de Quental.
Tal foi a chamada questão coimbrã, que literaria-
mente assinalou o ano de 1865 e transbordou ainda
para o de 1866 numa diluviosa inundação de folhe-
tos, folhetins e artigos tanto em Portugal como no
Brasil. (Veja-se no Dic. Bibliographico de Inocêncio o.
artigo Bom senso e bom gosto, do tomo 8.°).
9
130 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
Um dos folhêtoS; sob o titulo Os litteratos de Lis-
boa, inculca-se «poemeto», mas nào passa de uma in-
feliz sátira.
A paródia ao poema de Pinheiro Chagas foi pu-
blicada no n.° 289 e seguintes da Liberdade, jornal
de Coimbra (1865 a 1866).
Nunca a pude vêr.
PENA DE TALIÃO, poema herói-comico em 5 can-
tos, por Alberto Pimentel. Famalicão, Tip. Minerva, 1913,
Juízos emitidos pela imprensa:
O Século em 1 de Abril de 1914:
«Pena de Talião por
Alberto Pimentel.
«íamos começar assim esta notícia: «Este velho
escritor ...» Mas teremos nós direito a chamar-lhe
velho só porque encaneceu e quando a sua musa fa-
ceta nos aparece toucada de louçanias reveladoras de
uma robusta mocidade? Nào, nào temos esse direito.
^ Barros Lobo disse um dia de Pinheiro Chagas:
«velho não; é apenas o mais velho de nós, os rapa-
zes». O mesmo se deve dizer de Alberto Pimentel.
A velhice implica um certo numero de coisas que
baldadamente procuraremos n'este escritor tão ele-
gante como terso.
«N'uma época de rapazes rabugentos como a
nossa, dá gosto ler um livro escrito por este homem
PORTUGUESES 131
de cabelos brancos. Ele nunca perde a bonhomia, o
feitio amável. E representando a sua vasta obra um
trabalho imenso de investigação e de estudo, Pimentel
nunca teve o ar impertinente de ensinar á gente
qualquer coisa. Comtudo poucos escritores portugue-
ses terão prestado serviços de critica histórica e de
informação varia como Alberto Pimentel e nenhum o
excedeu em probidade.
«Ele ministrou a duas gerações conhecimentos so-
bre factos e pessoaS; que só se obteriam, se se obti-
vessem, com o trabalho incessante de muitos anos.
E condensou todo esse cabedal em volumes de uma
linguagem soberba, amenisando, com as suas brilhan-
tes qualidades de escritor elegante e antigo padre-mes-
tre do folhetim, matéria que teria feito adormecer o
menos dorminhoco quando tratada por outros. É ver
esse belo livro «As amantes de D. João V». É ver a
«Vida mundana de um frade virtuoso». £... Mas
para que insistir? Não se concebe que um português
culto desconheça uma grande parte da obra de Albero
Pimentel.
Ainda ha pouco registamos em poucas linhas o
aparecimento de um livro seu, cujo titulo não nos
ocorre, sobre a desventurada D. Ana Plácido, a mu-
lher de Camilo Castelo Branco. E já hoje nos apa-
rece um outro, «Pena de Talião», poema heroe-comico.
«O heroe d'este poema é o ilustre António Diniz
da Cruz e Silva, autor do «Hissope». Como se sabe,
António Diniz satirizou no seu poema um conflito de
etiqueta entre o bispo de Elvas, D. Lourenço de Len-
132 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
castre, e o respectivo deãO; José Carlos de Lara. Ora,
mais tarde, indo Diniz ao Brazil, em 1776, como
desembargador da Relação do Rio de Janeiro, ali to-
mou parte, com outros seus colegas, contra o vice-rei
Luiz de Vasconcelos e Sousa, n'uma análoga dissen-
são de etiqueta, qual foi a de precedência de logares
nas receções de grande gala.
«O facto, fundamentalmente autenticado em do-
cumentos irrecusáveis, deu azo ao novo trabalho de
Alberto Pimentel.
«D'aqui o titulo «Pena de Talião».
«O poema, em cinco cantos, é atravessado por
uma corrente de comunicativo bom humor, que leva
o leitor até á última página sem interrupção. Tecnica-
mente é de absoluta perfeição. E da linguagem seria
ocioso falar. Alberto Pimentel é daqueles escritores a
quem o português não deve ofensas ou judiarias».
Diário de Noticias £m 5 de abril de 1914:
«Pena de Talião» —
Poema Herói-Comica, de
Alberto Pimentel:
«Quando ha tempos lemos um interessante traba-
lho sobre Camillo, em que principalmente se punha
em destaque a nobre e infortunada figura de D. Anna
Plácido, a companheira do genial autor do Amor de
Perdição, trabalho firmado por Alberto Pimentel, que
PORTUGUESES 133
tão de perto conheceu e apreciou o solitário de São
Miguel de Seide, felicita mo-nos por ver restituído ao
labor literário um escritor dos mais fecundos da nossa
terra e que, como folhetinista; critico, romancista e
investigador histórico, afirmara durante largos anos
os primores dum dos talentos dos mais dúcteis e ma-
leáveis que temos conhecido. Hoje cabe-nos o dever
de consagrar algumas linhas a uma outra obra sua,
que bem demonstra a facilidade com que as suas fa-
culdades se ajustam e brilham nos mais diversos gé-
neros. Todos conhecem o precioso poema herói-co-
mico de António Diniz da Cruz e Silva, em que
Elpino, vulto dos mais celebrados da Arcádia, contou
as brigas do bispo de Elvas e do seu deào José Car-
los de Lara, motivadas por uma ridícula questão de
pragmática. Pois o poeta satírico, que tanto ridículo
acarretou sobre as memorias do bispo e do deão, mais
tarde, no Brasil, deixou-se dominar também por orgu-
lhos e prosapias e provou que no melhor pano cai a
nódoa. Sendo desembargador da Relação do Rio de
Janeiro, tomou parte com outros seus colegas numa
ruidosa divergência com o vice-rei Luiz de Vascon-
cellos e Sousa. Essa divergência, originada também
por uma dissençào de etiqueta, está autenticada por
documentos irrecusáveis e constitue o assunto do poe-
ma herói-comico do sr. Alberto Pimentel e a que o
autor com felicidade e acerto poz o nome de Pena de
Talião. Para mais o amenisar, o autor introduziu-lhe
um verosímil trama galante, que justifica ostensiva-
mente a causa do conflito e lhe permite assim reme-
134 POEMAS HEROI-COMICOS
diar o defeito do Hissope, que por falta de intriga
amorosa é por vezes árido e frio.
«O distinto escritor, que dispõe duma fina e apu-
rada sensibilidade literária, escreveu o seu poema em
versos rimados, nào usando portanto o verso solto ou
branco empregado na obra de António Diniz. Justi-
fica ele exuberantemente o seu proceder com as se-
guintes palavras: «Em primeiro lugar, eu não tive a
louca pretensão de emparelhar com o Hyssope. Em se-
gundo lugar, entendo que o verso branco só traba-
lhado magistralmente como o de Garrett, se podia
aturar ha cincoenta anos, e que hoje, ainda quando
feito em boas condições, que eu nào possuo, de
técnica feliz, deixa no espirito do leitor uma descon-
solada impressão de estética incompleta ou de monó-
tona insuficiência melódica».
«E acrescenta, fundamentando ainda melhor o seu
parecer, «que a rima é a chave sonora que fecha a
linha ritmica do verso e contribue pela riqueza de
euritmia para o brilho sinfónico da expressão metri-
ficada».
«A Pena de Talião lê-se com indizível prazer. A
acção é graciosa, os personagens estão bem desenha-
dos, a impressão de graça e a do ridículo resultam
naturalmente dos episódios e não do esforço ou exa-
gero do autor e para mais se valorisar esse belo vo-
lume fecha com uma serie de notas muito interessan-
tes, algumas das quais são suficientes para se avaliar
do escrúpulo com que o sr. Alberto Pimentel procede
em todos os seus trabalhos e da sua larga erudição
PORTUGUESES 135
e preciosos dotes de investigador. Oxalá que ele não
esmoreça neste novo período dum verdadeiro resur-
gimento literário e nos continue a dar mais provas
do seu estudo e solida ilustração».
A Capital em 5 de março de 1914:
«Alberto Pimentel, do Instituto histórico e geogra-
phico brazileiro, publicou um poema heroe-comico, em
cinco cantos — Pena de talião — que visa a applicar ao
auctor do Hissope o mesmo tratamento que elle appli-
coU; em verso mordaz, ao bispo de Elvas e ao seu
deão. Não se pode dizer que a musa de Boileau o
inspirasse. Todavia, lê-se facilmente, porque as rimas
correm ligeiras e lépidas, como as arveloas em terra
fresca.- Para Alberto Pimentel nos poder dar uma
replica digna do seu heroe seria necessário que pos-
suísse o temperamento de um satirista. E como o não
tem, o seu poema indica tão somente um escriptor
cheio de recursos que, embora n'um género litterario
ingrato, sabe aguentar-se».
PERODANA, ou o consHiabulo (sic) dos periódicos,
poema herói-comico por Jo^ Anselmo Correia Henriques.
Veneza, 1819.
Inocêncio apenas acrescenta a esta sucinta indica-
ção bibliográfica — que o poema abrange 40 pág.
em 8.°.
Mas o sr. capitão Ferreira de Lima possui uma
cópia, que me facultou e eu examinei.
136 POExMAS HERÓI-CÓMICOS
A cópia é manuscrita, talvez autografa, porque não
suponho que outra pessoa, além do autor, tivesse a
paciência precisa para caligrafar com esmero uma tão
enfadonha sensaboria.
Correia Henriques atira-se aos periodistas em ge-
ral, e a alguns em especial, como Santiago aos
mouros.
Canto da Inépcia o Reino tenebioso;
Cantaiei burrical, negra matilha
De valentes, acérrimos Quixotes,
Gentes, que sem moral e sem vergonha,
A Sandice proclama em toda a parte;
Egrégios papelões de novidades.
E, para isto, pede êle à musa «sublimado metro»
e «estilo novo>.
A Musa fez ouvidos, de mercador" e não andou
mal.
Toda a acção é froixa e difusa, e o verso solto. . .
até por vezes na linguagem.
A deusa Perodana presidia ao concílio dos perio-
distas
Num alto throno /eito de palitos
e, para os glorificar, ordenou que trouxessem à sua
presença o arquivo das sandices jornalísticas, a que
seriam feitas jucundas saudações.
Mas Apolo, indignado, expediu do Olimpo um
fatal raio,
PORTUGUESES 137
Que o Archivo abrasou da papelada,
E súbito transforma em labaiedas
Os infames jornaes de vil leitura.
Suspeito que o arquivo já deve estar outra vez
cheio.
Vide Charlatanismo.
PINHEIRADA poema hístorico-burlesco, efe. Bra-
ga, 1888.
O herói deste poema era o professor do liceu de
Braga Manuel Pinheiro de Almeida e Azevedo, e o au-
tor foi o dr. 'Pereira Caldas, também professor do
mesmo liceu.
As 19 pág. do folheto compreendem apenas o 1.°
canto, em 36 estâncias.
Pereira Caldas nào continuou o poema, e fez
bem.
Diz êle que o começara a compor por solicitações
de amigos. Mas tratáva-se de um colega, embora pouco
simpático, e melhor seria ter afastado da sua banca
de erudito um assunto violentamente pessoal.
Conheci muito bem tanto o herói como o autor
do poema.
Por isso acho exactíssimo este retrato do protago-
nista da Pinheirada, desenhado por um seu antigo
discípulo :
«Por esse tempo Manuel Pinheiro era o homem
do Lyceu.
«De compleição rija e estatura elevada, se bem que
^Jk
138 POEMAS HEROI-COMICOS
algo giboso e tramblazana, rosto magro e comprido,
encaixilhado em farta marrafa de cabellos negros e
barba de passa qualquer coisa, nariz adunco e traços
enérgicos, vivaz, saccudido, importante, eminente, e
sobretudo fallador inexgotável na cadeira e fora.
«Era das bandas de Vizeu, e de lá veio para mes-
tre de latim em Vianna, disciplina em que fora muito
versado, segunda corria fama. De Vianna passou ao
Lyceu de Braga na qualidade de professor de philo-
sophia racional e moral, como entào se dizia. Deu a
trabalh%ç com affinco, e a forragear por Laromiguière
e Victor Cousin umas apostilas âo-Genuense, que pu-
blicou mais tarde, refundiu e completou.
«Estas lucubrações, e um pouco também o seu
humor acre e génio atrabiliário, valeram-lhe umas crí-
ticas e não poucos dissabores, com que grandemente
se amofinava.
«Para maior quesilia, os críticos eram dois moços
mal saldos dos bancos do Lyceu: José Marnoco, que
morreu abbade de Souzellas, discutiu-lhe o valor da
doutrina metaphysica; e Gabriel Pereira de Castro,
depois jesuita, castigou-lhe a linguagem das «Aposti-
las», crivada de gallicismos.
«Outros, (e Deus tenha perdoado a todos, que já
lá estão), martirisaram-no deshumanamente e durante
annos, de modo indecoroso e por vezes cruel.
«Não obstante, luctando e trabalhando sempre, viu
approvados para o ensino os seus livros e abertas as
portas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, cuja
farda agaloada e demais aprestos, espadim e, chapéu
PORTUGUESES 139
emplumado, ostentava com toda a correcção nos so-
lemnes Te-Deums da Sé.
«Afinal com a jubilaçáo e os achaques da velhice
caiu de repente na obscuridade, a ponto da sua morte
ter um dos mais pobres saimentos que tenho visto
n'uma cidade!»
.Com saudosa persistência fica sempre na memória
dos discípulos a figura dos professores.
POEMETO HEROI-COMICO. Incompleto (apenas
três cantos em oitava-rima) incluído nos Últimos ver-
sos,— Vorio, 1907 — livro póstumo de Augusto Luso
da Silva.
O autor, que por largos anos exerceu o magisté-
rio no Liceu Nacional do Porto, ocupa-se nesta com-
posição de assuntos e pessoas do mesmo liceu, então
sob a reitoria do dr. Francisco Martins, lente da Uni-
versidade, cuja orientação lhe parecia reaccionária,
posto que apoiada por alguns dos professores.
Àquele e a estes celebra no poemeto.
Se os não posso louvar como convinha,
Cantá-los-hei ao som de campainha.
Augusto Luso, espírito muito culto e professor in-
sinuante, ia adiantado em anos, e esta composição é
mais filha da amargura que lhe causara o ter sido
afastado do magistério, que de qualquer tendência de
combatividade cáustica em que aliás não estava exer-
citada a sua aptidão poética.
140 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
POLIFEMO E GALATEA por Jacinto Freire de
Andrade no tomo 3.° da Fénix Renascida.
Mencionamos esta composição não porque seja
propriamente um poema herói-cómico, mas porque
foi escrita numa intenção de paródia a essa chilra
inundação de Poíifemos seiscentistas, que tiveram conio
pai o Polifemo de Gongora.
PORTUGAL, PEDRO, PEDREIRADA. Poema, Lu-
siada do avesso. Composto no ano de 1840. Manus-
crito, que no catálogo da livraria Fernandes Tomás
tem o n.° 6117, e a seguinte rubrica: Muito curioso.
Inédito.
A indicação «Lusíada do avesso» é o único fun-
damento que tenho para supor que seja um poema
herói-cómico.
PUNDONORES (OS) desagravados, poemeto em
duas partes, offerecido aos Académicos Portuenses. —
Porto, 1845.
Este poema herói-cómico é de Camilo Castelo
Branco.
Na 1.^ edição, hoje muito rara, saiu anónimo, mas
foi reimpresso no mesmo ano, conjuntamente com o
Juízo Final, e então apareceram no frontispício as ini-
ciais do autor — C. F. B. ,C. Branco (Camilo Ferreira
Botelho Castelo Branco).
É uma produção de estudante, escrita ao correr
da pena para celebrar o duelo em que foram conten-
PORTUGUESES 141
dores N (que julgo ser Novais Vieira ou Novais dos
óculos e A (Arnaud).
Parece que por esse tempo houve no Porto outro
duelo entre o marquês de Chardonnais e Passos Pi-
mentel, o que deu causa a que Vieira de Castro, na
Biografia de Camilo, se equivocasse identificando este
duelo com aquele.
Camilo nào se limitou a satirizar em verso o
duelo de A e N; também pôs a sátira em acçào para
ridicularizar a mania dos duelos, que ameaçava per-
turbar a vida pacificamente burguesa do Porto.
Foi o caso que êle e o estudante Freitas Barros
resolveram realizar no então solitário lugar da Torre
da Marca um duelo-paródia, que teve hilariante noto-
riedade. Mas voltemos aos Pundonores desagravados,
crónica metrificada do duelo entre N e A.
Camilo principia dizendo:-
Eu canto dous heroes, cujas façanhas
Virgílio não cantou, nem inda Homero:
Legitimes heroes que o Porto habitam,
Aonde excelsos feitos, sempiternos,
Excedem os n'outr'ora praticados
Em Frigia, ou em Carthago, em Roma ou Grécia, etc.
Nem este poemeto nem o Juizo Final faziam crer
que estivesse no seu autor o embrião literário dum
escritor eminente, tal como Camilo foi.
A Parceria António Maria Pereira fez uma repro-
dução zincográfica da 1.* edição (1845) dos Pundono-
res desagravados, sendo de 60 exemplares a tiragem.
142 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
O
QUERCULANAIDA, poema allegorico, por hum Vi-
nagrista da terra dos vinagres. Lisboa, na Imprensa
Nacional, 1822. S."" de 64 paginas.
Inocêncio (no tomo 7.°, pág. 37 do Dic. Bibl.) dá
as seguintes indicações:
«A tabula ou acçào d'este, hoje pouco menos que
ignorado, poema (com pretenções a heroi-comicO; em
quatro cantos de versos hendecasyllabos soltos) é o
estabelecimento allegorisado da Companhia dos Vinhos
do Alto-Douro, emprehendido, segundo diz o auctor,
no anno da hégira 1134 (1757 da er^ vulgar) pelo
visir Querculano, isto é, pelo depois marquez de Pom-
bal Sebastião José de Carvalho, cujo appellido em
latim é Quercus, como se sabe. Creio nào enganar-me
affirmando que esta composição é de António Lobo
Teixeira Ferreira Girào (veja no Diccionario, tomo I,
pag. 184) entào e sempre um dos maiores adversários
da Companhia. Pelo menos é certo haver sido elle
quem o mandou imprimir na Imprensa Nacional, e
pagou a respectiva despeza, o que verifiquei por
assento que d'isso existe no livro competente». *
A pessoa acima indicada veio a ser, anos depois,
1.° visconde de Vilarinho de S. Romào, e o seu nome
todo era António Lobo de Barbosa Ferreira Teixeira
Girào.
PORTUGUESES U3
Adoptou no poema o criptónimo — Vinagrista —
por ser esta a denominação irónica que a Companhia
dava aos seus adversários.
No tomo 8.° do Diccionario (1.° do Suppl.) diz
Inocêncio: «Creio que sem a minima duvida pode
attribuir-se-lhe (a Qirào) a composição do poema he-
roi-comico Querculanaida» .
Contudo nào devo omitir que na Noticia biogra-
phica daquele titular, escrita por seu sobrinho Antó-
nio Luís Ferreira GirãO; e publicada pela casa More
no Porto em 1870, se nos deparou a relação das suas
obras «publicadas e inéditas» incluindo as traduções
de Boileau, Estante do coro e Satyra do homem, sem
que nela se faça mençào alguma da Querculanaida.
Eu nào concordo em que este poema tenha pre-
tenções a herói-cómico, e muito menos em que o seja.
É alegórico, nào há dúvida: mas foi escrito para
despertar indignação, e nào hilaridade, contra a Com-
panhia dos Vinhos do Alto Douro, pondo em relevo
— e até querendo atingir às vezes uma sentimentali-
dade trágica — os tumultos a que a sua fundação deu
causa e foram severamente punidos por Sebastião
José de Carvalho.
Esta nota final concorda com o diapasão geral do
poema:
Eis do pfotervo monstro 1 a sua origem:
Do despotismo he filho e seu herdeiío,
He dos demónios mimo e prenda cara,
1 A Companhia.
144 POEMAS HEROI-CÓMICOS
He, finalmente, hum cancro terrível
Que devemos curar com ferro e fogo.
E nós devemos dizer qu^ todo o poema é uma
sensaboria. . . alegórica.
QUIXOTADA ou vida de D. Fr. Caetano Brandão,
arcebispo de Braga.
Este título parece prometer um poema herói-có-
mico. Nào é assim, porém. Trata-se de uma sátira vio-
lenta, revoltante, injustíssima contra aquele venerando
prelado bracarense, de cujas virtudes há hoje pleno e
certo conhecimento e cujo nome será eternamente
abençoado pela memória dos povos e pelo consenso
dos historiadores.
Mas D. Frei Caetano Brandão, constrangido a
aceitar a mitra do Pará e depois o báculo do arcebis-
pado primaz de Braga, foi perseguido durante a vida
íinicamente por aqueles que, inveterados em antigos
abusos e escândalos, nào queriam sofrer advertência
nem correcção.
Estava neste caso a classe eclesiástica, incluindo o
próprio cabido da sé arquiepiscopal. Entre o clero,
talvez entre as mesmas dignidades capitulares, deve
ter vegetado anonimamente o miserável autor da sátira.
Nào cabe ela no programa que nos propusemos.
Por isso, e até pelo seu carácter odioso, a deixaríamos
no escuro dos panfletos imundos, se nào a conhecês-
semos por uma cópia manuscrita em que concorrem
especiais circunstâncias bibliográficas.
PORTUGUESES 145
A referida cópia é toda do punho de Inocêncio
Francisco da Silva, que a concluiu e rubricou no
dia 18 de Março de 1849.
Escrevendo uma série de artigos acerca de D. Frei
Caetano Brandão (Archivo piftoresco, vol. 8.° — 1868),
Inocêncio refere-se às «satyras injuriosas e libellos in-
fames», que eram clandestinamente espalhados contra
o benemérito antístite, menciona aquela sátira e acres-
centa por anotação: «Possuímos entre os nossos ma-
nuscriptos uma cópia da Quixotada, que é um aggre-
gado de cincoenta e quatro decimas octosyllabas, em
que se propalam contra o virtuoso prelado as mais
atrozes calumnias».
A mesma cópia, que Inocêncio tirou e possuiu,
pertence hoje ao nosso amigo sr. Henrique Marques, o
qual obsequiosamente no-la facultou.
R
RAPHAELEIDA (A).
Trindade Coelho (In illo tempore) faz referência a
este poema, composto em 300 versos pelo estudante
de direito Alfredo da Cunha, que depois foi proprie-
tário e director do Diário de Notícias.
O herói era Rafael Rodrigues Correia, a quem os
condiscípulos chamavam o Avô do curso, por ser o
mais velho de todos eles.
10
146 POEMAS HEROI-COMICOS
RA TOS (OS) da alfandega de Pantana, poema bur-
lesco em 8 cantos, dedicado a todas as alfandegas do
Universo, por J. M. P. — Porto, Typ. da Revista, 1849,
Aquelas três iniciais nào correspondem à verdade
do nome do autor, que foi Camilo Aureliano da Silva
e Sousa; o qual eu ainda conheci procurador régio
junto da Relação do Porto.
Era homem de inclinações literárias, traduziu ai-
guns romances estrangeiros e foi o editor da Anti-
-Catastrophe.
Nos últimos anos da vida dedicava-se muito à flo-
ricultura e colaborou largamente no Jornal de horticul-
tura pratica,
O assunto do poema são as irregularidades que,
segundo corria, inquinavam a administração da alfân-
dega do Porto, cujo director era o barão de S. Lou-
renço (de Asmes, concelho de Valongo).
A essas irregularidades se referia insistentemente a
imprensa portuense designando-as pela expressão pi-
pitoresca de — ratos da Alfândega.
Por decreto de 5 de outubro de 1849 foi no-
meada uma comissão de inquérito à alfândega do
Porto e do seu relatório se vê que nào menos de 5:000
pipas de vinho^sairam pela barra do Douro sem que
os respectivos direitos aduaneiros fossem pagos.
Segundo esta nota oficial, a voz do povo tinha ra-
zão, e o poeta também. -
Explicando o título da sua obra diz o autor no
prólogo: <0s Empregados da "Alfândega de Pantana
também são por consequência Ratos, Ratões, e Rata-
PORTUGUESES 147
zanas: são as suas proezas, e a maneira por que ali fa-
zem os despachos das mercadorias importadas, que
formam o objecto do presente poema».
E no i.° canto propõe o assunto dizendo:
Os Ratos e os Ratões assignalados
Da Alfandega^famosa de Pantana;
(Que é covil de larápios e quebrados
E terra mui chegada à' Lusitana),
Seus feitos até hoje não cantados, ^
Sua por oiro insaciável gana,
Em verso levarei á luz do dia,
Deitando abaixo toda a livraria.
O poema tem graça, sobretudo para quem, como
eu, pode penetrar o sentido de todas as alusões pes-
soais. Trata-se do Porto da minha infância, e de gente
que eu ainda conheci — pelo menos de nome ou de
vista.
Nos poemas herói-cómicos fazem muita falta as
notas explicativas; mas neste compreende-se a ausên-
cia delas melhor que em nenhum outro.
Algumas das personagens que figuram nos Ratos
entram também nas Commendas. (Vide esta palavra).
Ainda quero dizer, sobre o assunto do poema, que
uma página da escandalosa crónica dos roubos na
alfândega do Porto pode ser lida no periódico O Tri-
peiro n.° 24 de 20- de fevereiro de 1Q09, pág. 82,
col. l.^
Quanto ao autor do poema, li no catálogo da bi-
blioteca de António Moreira Cabral (2.^ parte, Por-
to, 1909, pág. 490) a seguinte nota bibliográfica a
148 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
respeito de Os ratos dd alfandega: «Apenas há hoje
dous homens que sabem do facto, de ser autor deste
poema, o Dr. Camillo Aureliano da Silva e Souza, que
morreu Desembargador do Porto; por terem sido da
intimidade dele, e assistirem à revisão das provas».
Eu soube-o há já longos anos, porque mo disse o
sr. D. António Aires, então bispo de Betesaida e de-
pois arcebispo de Calcedónia.
De modo que se s. ex.^ não foi uma daquelas
duas pessoas, eram três -e não duas como afirma cate-
goricamente a nota.
Não me contou o sr. D. António que tivesse assis-
tido à revisão das provas, mas assegurou-me de sciên-
cia certa que o autor tinha sido Camilo Aureliano, seu
patrício e seu amigo íntimo.
RATOS (OS) da inquisição, poema inédito do judeu
portuguez António Serrão de Crasto, prefaciado por Ca-
millo Castello Branco. Porto, 1883.
O assunto deste poema, composto em décimas no
cárcere da Inquisição de Lisboa, são os ratos que in-
festavam a cela do autor.
«O poema de Serrão — diz Camilo — é monótono.
Elle explora tudo o que os ratos lhe podiam fornecer
de imagens cómicas. Deram-Ihe muitas, mas deficien-
tes para colorirem variadamente a grande tela que
desenrolou no seu calabouço. O desgraçado agarra-
va-se àquella idea burlesca para salvar-se de si mesmo».
É monótono, sim, e além disto, eivado de ressaibos
do século XVII, o que lhe aumenta a monotonia; mas
PORTUGUESES 149
tem o raro valor de ser um poema herói-cómico es-
crito com lágrimas entre as garras da Inquisição.
REINO (O) da Estupidez, poema heroi-comico em
quatro cantos, de ***.
Atribui-se geralmente êsíe poema ao português-
-brasileiro Francisco de Melo Franco, natural de Pera-
catu, bispado de Pernambuco, onde nasceu em 1757.
Diz-se também que tivera por colaborador o seu
patrício e amigo José Bonifácio de Andrade e Silva.
É esta a opinião de Teófilo Braga (Hist. da Univ.)
que repele a hipótese da colaboração de Francisco
José de Almeida, admitida aliás por José Agostinho
de Macedo nos Burros.
Melo Franco veio à metrópole para cursar a fa-
culdade de medicina em Coimbra e, quando estu-
dante, foi denunciado à Inquisição como hereje: por
este motivo saiu no auto de fé que se realizou naquela
cidade a 26 de agosto de 1781 e depois sofreu a
pena de reclusão no convento de Rilhafoles, em Lisboa.
Conseguindo readquirir a liberdade, voltou a con-
cluir o seu curso em Coimbra. Mas não ia alquebrado
de ânimo; pelo contrário, procurou vingar-se dos seus
perseguidores conimbricenses divulgando contra êles;
por cópias manuscritas, um poema herói-cómico, em
tão cauteloso mistério composto e espalhado \ que a
muitos foi atribuído, menos ao verdadeiro autor.
1 O poema foi composto em 15 dias, e subrepticiamente dis-
tribuído por ocasião duma solenidade universitária.
150 POEMAS HEROI-COMICOS
Os lentes e outras pessoas que o Reino da Estu-
pidez atingia, quiseram por sua parte desafrontar-se :
e daqui nasceram várias réplicas satíricas, as quais
felizmente erraram o sobrescrito, pois ninguém sus-
peitava de Melo Franco nem de José Bonifácio. —
Vide Zelo (O).
E enquanto os atingidos no poema barafustavam
e queriam descobrir quem era o autor, este, muito
bem encapotado no seu impenetrável anonimato, ria
deles e ia-os de novo tosando num quinto canto, que
se conserva ainda inédito, e cuja existência foi reve-
lada por Teófilo Braga.
A 1.^ edição do poema viu a luz pública no ano
de 1819, em Paris, onde também se estampou a 2.^
edição em 1821, assim como a 4.^ que faz parte do
tom. VI (Saty ricos Porfuguezes) do Parnaso Lusitano
(1834); a 3.^ edição é de Lisboa (1833), impressa na
oficina de João Nunes Esteves; a 5.^ é de Barcelos
(1868) e saiu da tipografia da Aurora do Cávado por
iniciativa e a expensas do dr. Rodrigo Veloso; a 6.*
é do Rio de Janeiro, (1910), na 2.^ edição dos Saty-
ricos Portuguezes ^.
O Reino da Estupidez, escrito em verso solto, é
um poema interessante: nisto sinto discordar de dois
brasileiros ilustres: Silvio Romero e João Ribeiro.
A Estupidez, querendo fundar um reino, vai esta-
1 Ultimamente o Archlvo do bibllôphllo {nP 19) denunciou a
existência de mais uma edição, feita em 1822, mas com o título
A Estupidez em três cantos.
PORTUGUESES 151
belecer-se em Coimbra, onde logra ser recebida com
grandes festas pelos doutores e pela cidade. A che-
gada da Estupidez e a sua recepção no meio de rui-
dosas aclamações e com solene pompa, constitui a
matéria do último canto, seguramente o melhor.
Fica-se com pena de que o poema não seja mais
extenso, quando fácil seria ao autor e ao seu auxiliar,
se o teve, continuarem-no durante muitos outros can-
tos, pois que nem a matéria nem a graça lhes fal-
tavam.
Assim, havemos de contentar-nos com vêr que a
Estupidez, satisfeita da vassalagem entusiasticamente
prestada pelos capelos mais caturras e improgressivos,
os abençoou e prometeu nào os abandonar no futuro:
Eu gostosa vos lanço a minha benção;
Continuai, como sois, a ser bons Filhos,
Que a mesma, que hoje sou, hei-de ser sempre.
O escândalo produzido pela divulgação do Reino
da Estupidez propagou-se de Coimbra a Lisboa, onde
também as opiniões se dividiram.
O Lobo da Madragôa foi um dos poetas morda-
zes, que na capital- mais violentamente investiram con-
tra o poema. (Veja-se o soneto XCIX nas suas Poesias).
REVOLUÇÃO (A) poema heroi-comico em 6 cantos,
e oitava-rima. Pariz, 1850..
Este poema (que suponho nào ter sido impresso
em Paris, mas no Porto) canta a agitação revolucio-
nária desta cidade depois do «golpe de Estado» de
152 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
1846 e o seu ali principal fautor, José da Silva Pas-
sos, que trata por — Zé de Bouças — pois que tanto
êle como o irmào, Passos Manuel, nasceram em Bou-
ças de Matozinhos.
O famoso varão, que aventureiro,
Sentindo d'Ambição a tesa espora,
Lidou por occupar alto poleiro,
No espaço imaginário, sem escora;
E que infeliz tombou ao chão rasteiro,
Depois de trabalhar, como uma nora;
Cantarei, como saiba, e como possa.
Segundo a minha Musa, fina, ou grossa.
José Passos foi, nào há dúvida, um grande agita-
dor político e poderoso auxiliar de seu irmào na re-
volução e na junta do Porto.
O poema atribui-lhe o fermento da revolução no
Minho, como núcleo de propagação do movimento
patulea, que aliás se nào pode lançar unicamente à
responsabilidade de José Passos.
Oh Maria da Fonte ! Oh regateira !
Vã plebe! Que comeste a patarata,
De que a lei tributaria era uma asneira,
Que vos levava as casas, bois e mata,
Em venda^ou hypotheca sorrateira.
Ao paiz da cerveja, e da batata!
Que entrastes fáceis na loucura péssima
Que as tranças mulheris pagavâo decima !
Fui só eu 1, que mechi â tanto estulto
As molas, com que armei a contradança.
1 José Passos.
PORTUGUESES 153
Um dos episódios mais interessantes da revolução
do Porto foi a reclusão do Duque da Terceira no
castelo da Foz.
A tradição diz ter sido António Navarro quem
prendeu o Duque, e o poema duas vezes se refere a
este incidente na estância 55 do canto I e na estância
38 do canto VI.
Contudo, no livro Traços de historia contemporâ-
nea (Porto, 1880) que o sr. António Teixeira de Ma-
cedo escreveu sobre notas deixadas por Manuel e José
Passos, apenas se lé a este respeito que tinha o pa-
triota António Navarro, entrando na sala (do conde
de Terena), «declarado ao duque, que o povo exigia
que êle fosse preso para os paços do concelho».
Isto não significa o mesmo que ter-lhe dado, pes-
soalmente, voz de prisão.
Perante a atitude hostil do povo, o próprio Duque,
que não pôde embarcar, conveio em se deixar condu-
zir ao castelo da Foz, para maior segurança de sua
pessoa, que sempre José Passos protegera nobremente.
Eis aqui um caso a averiguar; apenas por inci-
dente a êle me refiro.
O poema A Revolução é, pois, uma sátira política,
de regular merecimento literário.
Tempo depois de escrito este artigo li a seguinte
passagem do discurso proferido pelo Duque de T,er-
ceira, na câmara dos Pares, em 5 de fevereiro de 1848:
«No entanto o povo continuava não só a aproxi-
mar-se da casa onde eu estava (o palácio dos Terenas
na Torre da Marca), mas já muitos invadiam a mesma
154 POEMAS HEROI-COMICOS
casa, e nessa occasião um individuo, pessoa muito ca-
paz, e de uma particular educação, um celebre Navarro,
um famigerado miguelista, entrando sem decoro na
sala onde eu estava, me disse gritando com insolên-
cia: — Eu sou representante do povo, e em nome desse
povo venho dizer a V. Ex.^ que saia já e quanto an-
tes desta casa, e venha para as casas da Camará, onde
será bem tratado, aliás irá para o Castelo da Foz —
por única resposta ordenei-lhe que se retirasse ime-
diatamente, e voltei-lhe as costas.»
ROBERTO ou a dominação dos agiotas, poema
heroi-comico por Manoel Roussado — Parodia ao notável
poema de Thomaz Ribeiro « D. Jayme ou a dominação
de Çasiella» —Lisboa, 1862.
autor — depois barào de Roussado \ e residente
no estrangeiro como cônsul de Portugal — já anterior-
mente tinha dado provas de humorismo no folhetim
e no verso, de modo que estava muito mais à vontade
do que Guilherme Braga no Mal da Delfina, posto
Guilherme Braga fosse, como poeta, muito superior a
Roussado.
O poema é precedido por uma carta de Tomás
Ribeiro, carta de aplauso, sim, mas lacónica e trans-
parente: vê-se que o autor do D. Jayme, conquanto
nàq gostasse muito de se ver parodiado, se refugiava
na ideia consoladora de que «nào se parodiam senão
as obras notáveis.»
1 Faleceu em Inglaterra no dia 22 de dezembro de 1909.
PORTUGUESES 155
»
Todavia entre Tomás Ribeiro, Manuel Roussado e
Guilherme Braga as relações pessoais foram sempre
amistosas.
Nem havia motivo para o contrário.
RODRIGO (D.), poema épico (por antifrase). Lis-
boa, 1838—2.^ edição, Porto, 1852.
É uma sátira violenta contra Rodrigo da Fonseca
Magalhães, que já então havia sido ministror^ela pri-
meira vez, e cuja vida é acompanhada passo a passo
pelo autor do poema durante os únicos três cantos
que foram impressos.
A forma estrófica é uniforme: uma sequência inin-
terrupta de décimas.
A paternidade deste poema foi atribuída ao barão
de Ribeira de Sabrosa (Rodrigo Pinto Pizarro de Al-
meida Carvalhais), ao visconde.de Almeida Garrett e
ainda a outra pessoa, cujo nome Inocêncio não pôde
recordar (Dicc. Bibl., vol. IP, pág. 165).
Este bibliógrafo inclina-se para a primeira hipó-
tese.
Eu não posso asseverar que o autor fosse Rodrigo
Pizarro; mas o que assevero, com a maior convicção,
é que não foi Garrett.
Nada, neste poema, revela a sua individualidade
literária, ainda quando êle tivesse procurado disfar-
çá-la: «chassez le naturel, il revient aii galop.>
Não obstante já vi num catálogo de livreiro atri-
buir-se D. Rodrigo a Garrett, por simples especulação.
O texto é ilustrado com 26 notas finais.
156 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
SALDANHEIDA (A).
Comunicação do meu ilustrado amigo sr. capitão
de artilharia Henrique de Campos Ferreira Lima:
«Folheando um jornal da época da Patuleia O Na-
cional encontrei no n.° 98 de 1 de maio de 1847 a
indicação d'um poema heroe-comico intitulado a Sal-
danheida. N'este numero reproduz-se um fragmento
com o titulo — Ponte Monumental — e no fim vem a
declaração — Transcrito da «Estrela do Norte». Teria
ficado só n'este fragmento este poema ou ter-se-hia
publicado mais? Sào* perguntas- a que não sei res;
ponder.
«As indicações do jornal são as seguintes — A ponte
monumental — Fragmento da Saldanheida (Poema he-
roe-comico inédito) — Cesse tudo o que a antiga musa
canta. Camões. — É em verso solto e principia assim:
Já d'01iveira nos extensos valles
Saldanhista clarim desperta os eccos,
Aos magotes, aos ranchos como as cabras
Chegando vem as invenciveis tropas;
E ás c'ronhadas, que é meio mui cartista,
Vão fazendo os quartéis, porque precisam
Uns dias repousar da extensa marcha,
Que das terras longínquas lá do Vouga,
PORTUGUESES I57
Onde apenas dous mezes descançaram,
(Tanta era a pressa d'atacar o Porto)
As trouxera t.' li com grande custo.
Renovo aqui os meus agradecimentos por esta so-
lícita comunicação.
SANTARENAIDA, poema eroi-comico de Francisco
de Paula de Figueiredo. Coimbra, 1792.
O autor deste poema foi natural de Aveiro, for-
mou-se em cânones na Universidade de Coimbra, e
exerceu o ministério do púlpito no Porto.
A Santarenaida, escrita (em ortografia sónica) aos
24 anos de idade, nào lhe dá honra nem glória.
O herói do poema é um taberneiro de Coimbra
chamado José Rodrigues Santareno, grande campeão
de Baco nas guerras de predomínio travadas entre
este deus e Netuno.
Sendo invencível no campo de batalha, o Santa-
reno sucumbe, por um ardil dos seus adversários,
depois de ter bebido imprudentemente uma tarraçada
de água, na romaria do Espírito Santo em Santo An-
tónio dos Olivais.
O poema, composto em oito cantos e verso solto,
é monótono, chega a ser cansativo, porque nào sai
das prolongadas contendas entre Baco e Netuno,
assunto que Alexandre António de Lima tratou com
mais animação na Benteida.
O único episódio de algum valor etológico é a
descrição da romaria em Santo António dos Olivais.
158 POEMAS HERÓI-COMICOS
SAPATOS DE SETIM AZUL FERRETE: Poema
heroi-comico em 6 cantos, por um Hortelão do Helicon.
Dedicado d ex."^ sr.^ D. Isabel Bernarda Xavier de
Moura Lafre, religiosa no convento de Santa Clara de
Santarém — 1767.
O autor é Joào Pedro Xavier do Monte. Veja-se o
que dizemos a seu respeito no artigo Chumacinho
furtado.
Cada um dos 6 cantos compreende 50 oitavas.
Proposição do assunto:
De uma distincta freira e engraçada
iMedito, e canto as raras aventuras:
De Isabel, por qnem fora excogitada
Decência entre a reforma, e as loucuras:
D'essa, que por não ser mal reputada,
E para não seguir certas verduras,
Muitas vezes suou pelo topete,
Por calçar de setim azul-ferrete.
Vide Logração da Prelasia.
T
TABAQUINHO.
Era o título que José Baptista Gastão \ antigo jor-
nali^a e redactor em chefe do Diário da Câmara dos
1 Pai de Gastão da Fonseca, a quem nos referimos sob a
rubrica Paes (Os) da Mãe Pátria.
PORTUGUESES 159
Deputados, tencionava dar a um poema herói-cómicO;
do qual apenas chegou a compor um canto.
J. B. Gastào nascera em 1791, no sítio da Nazaré,
e faleceu em Lisboa no ano de 1879.
TOIROS (OS) poema heroe-comico, por António Joa-
quim de Carvalho. Lisboa, 1796.
Em 1825 fez-se outra ediçào, também em 8.°.
Não deixa de causar estranheza que o seu autor,
António Joaquim de Carvalho, o qual, se nào era alfa-
cinha, viveu em Lisboa, onde exerceu a profissão de
cabeleireiro e depois a de mestre de dança, ousasse
meter a ridículo — demais a mais com graça — a pai-
xão tauromáquica dos lisboetas.
Bem sei que Lisboa gosta de rir, mais que a pro-
víncia; mas parece que sempre lhe ficou algum espi-
nho, deste poema, pois chegou até nós o boato, espa-
lhado talvez num sentido depreciativo, de que o poe-
ma, por ser bom, fora retocado por Curvo Semedo.
Eu nào conheço todas as obras de Carvalho, aliás
numerosas, mas quero crer que êle não precisou de
auxílio estranho, a julgar pelo bom conceito em que
o tinham Castilho e até o padre José Agostinho, que
nos Burros lhe faz um desconto honroso na burrice
universal.
E António Joaquim, cantor dos Toiros,
Cantor de Galathea, é menos Burro.
O poema, em quatro cantos e oitava-rima, com
uma prefação em verso solto, vale realmente como sá-
160 POEMAS HERÓI-CÓMIDOS
tira de costumes, descreve com exactidão e chiste as
toiradas, defendendo a causa dos toiros contra os
homenS; explora com felicidade o ridículo de alguns
episódios tauromáquicos como por exemplo o do bar-
beiro aficionado.
Sendo bem lusitana a metrificação, nào sei porque
suposto efeito de originalidade jocosa foi que o autor
acentuou à francesa ^, com desprazer dos nossos ouvi-
dos portugueses, estes dois esdrúxulos finais:
Hum louva em décimas lânguidas, frígidas;
Tece outro Critico Sátyras rígidas.
V
VIAGEM MENTAL ao templo d^Apollo em De^phos,
poema joco-serio por um clinico que vive por milagre.
Lisboa, 1804.
Nunca vi exemplar algum deste poema.
VIAGENS (AS) a Leixões, ou a troca das Nereidas;
poema heroi-comico, offerecido ás Senhoras Portuguezas,
especialmente ás III."'''^ e Ex."^^ Senhoras Cirnes por ***.
Porto, 1855.
Este poema, em 12 cantos, é de Alexandre José
1 Refiro-me à acentuação dos decassílabos na 4.^ e na 7.^,
muito usada pelos franceses, mas que nós estranhamos.
PORTUGUESES 161
da Silva de Almeida Garrett, irmào do visconde de
Almeida Garrett.
O autor a si mesmo se denuncia quando, no
canto 1.°, diz invocando o auxílio de doutores que
possam advogar a sua causa:
E tu, Rodrigo Garrett,
Bem sabes quão rigoroso
É o dever que te força
A acudir-me pressuroso.
Refere-se ao dever filial: Rodrigo Garrett, bacha-
rel em direito, era seu filho.
E no último canto, pedindo que o ajudem a re-
matar o poema, diz, referindo-se ao já entào falecido
visconde de Almeida Garrett:
Vem pois I .... 1 carinhoso
Ajudar-me a terminar,
Pois bem sabes que o rabinho
Mais custoso é de esfolar.
Estas citações mostram qual a métrica uniforme
do poema, e o valor literário dele.
Creio que Alexandre Garrett versejou por simples
desenfado, tanto mais que a maior parte das suas pu-
blicações foram de carácter religioso. Mas nesta acu-
mulou facécias em linguagem solta, nào obstante a
obra ser oferecida às Senhoras Portuguesas, especial-
mente às Senhoras Cirnes, fidalgas do Poço das Pa-
tas. Fá-las-ia rir? Eu sei lá! Decerto o autor nào teve
1. Irmão.
11
162 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
outro fim em vista; e por modo nenhum pensaria em
ombrear literariamente com o^Irmào, cuja superiori-
dade reconhece no próprio poema.
A Revista Peninsular (tom. 11, pág. 277) deu uma
formidável tareia nas Viagens a Leixões, que classificou
de «parto monstruoso>. Seriam da mesma opinião as
Senhoras Cirnes, e outras ilustres patrícias minhas? Tal-
vez não fossem. Naquele tempo, a sociedade do Porto
vivia ainda numa simplicidade de costumes, que não
excluía a chalaça portuguesa. As malícias claras, se fa-
ziam rir, não ofendiam ninguém; e se chegavam a ofen-
der, ninguém quisesse estar na pele de quem as dizia.
O poema, cuja acção é inconsistente, e vive à
custa de colóquios do autor com a deusa Tétis e com
as Nereidas nos rochedos de Leixões, envolve a relan-
ces a crítica dos costumes — das modas e bailes do
Porto, da vida balnear nas praias de Leça e Matozi-
nhos, dos barões de fresca data, etc.
As notas finais, que são muitas, revelam que o
autor tinha mais ilustração do que estro.
VIAGENS NO SYS TEMA PLANETÁRIO, poema
satyrico em doze cantos pelo dr. Patrocínio da Costa,
Coimbra, Imprensa Litteraria, 1875.
Menciono este poema, apesar de não ser propria-
mente herói-cómico.
Vem acompanhado de notas.
A sátira nele desenvolvida é em grande parte ati-
nente à organização dos estudos e ensino em Portu-
gal, especialmente na Universidade de Coimbra.
PORTUGUESES 163
Percorre o autor no poema alguns dos planetas
principais.
Houve 2.^ ediçào das Viagens segundo se vê da
capa de Hero e Leandro, tradução do mesmo dr. Pa-
trocínio, feita também em Coimbra, em 1876; mas aí
a designação de poema « satírico » foi substituída pela
de «didáctico».
O dr. Patrocínio da Costa, homem talentoso e
excêntrico, regeu uma cadeira de matemática na Es-
cola Politécnica de Lisboa.
Quando estudante em Coimbra, fora auxiliado
por um homem, cujo retrato conservava veneranda-
mente na sua modesta sala de visitas já depois de ser
professor.
Soube, disto um estudante pouco aplicado e, por-
que na saía havia outros retratos, informou-se com
segurança sobre qual deles era o do antigo protector
do lente.
No fim do ado lectivo foi a casa do dr. Patrocí-
nio, sendo recebido com má catadura.
— Venho implorar a protecção de v. ex.^
— Ora adeus, adeus. Eu nada posso fazer em seu
favor. Não estudou nada, não sabe nada, queixe-se de
si mesmo.
O rapaz, que já esperava esta reprimenda, pôs-se
a olhar contemplativo para o retrato do protector be-
nemérito.
E arranjou duas lágrimas ad hoc.
— Que tem o senhor que ver nesse retrato?
— Estou a lembrar-me de que, se ainda fosse vivo
154 POEMAS HERÓI-CÓMICOS
este santo homem, que foi amigo de meu pai, ele vi-
ria aqui pessoalmente interessar-se por mim junto
de V. exA
— O que está dizendo !
— Digo que meu pai se lhe confessava muito de-
vedor, porque nunca deixava de atender os seus pedi-
dos. Que êle era uma bela alma, aquele senhor.
E apontava o retrato, soluçando.
— Está bém, está bem. A gratidão é um senti-
mento nobre e simpático. Vá para casa, reveja as ma-
térias e vamos a ver o que o exame dará.
No exame, o dr. Patrocínio amparou com geito e
carinho o rapaz, que ficou aprovado.
Mas o imprudente estudante contou, dias depois,
no átrio da Escola, o modo como tinha engazupado
o dr. Patrocínio.
Outro aluno, que lhe ouvira a irreflectida revela-
ção, quis recorrer ao mesmo expediente.
Procurou em casa o professor, e contudo não se
acautelara colhendo primeiro as devidas informa-
ções.
De modo que, ouvida a reprimenda, apontou para
um retrato e disse:
— Nesta angustiosa ocasião só poderia interceder
por mim aquele bom homem, que eu ainda co-
nheci.
O dr. Patrocínio fez pé atrás e bradou :
— Ponha-se já no olho da rua, seu impostor. Esse
retrato é do meu avô quando tinha vinte e cinco anos.
Eu já não cheguei a conhecê-lo. Rua, rua.
i
PORTUGUESES 165
VIDA PICARESCA (Descrição da) por Diogo Ca-
macho.
O autor é o mesmo da Jornada às cortes do Par-
naso (Vide Jornada) ; isto é, Diogo de Sousa, aliás Dio-
go Camacho.
O poema de que tratamos agora apareceu origina-
riamente no 1.° tomo do Postilhão de Apollo, com o
título Vida de um estudante pobre e sem nome de
autor. É escrito em oitava-rima. Canta jovialmente,
mas com brunido mérito literário, as amarguras e mi-
sérias da estúrdia académica, certamente porque o
autor as experimentou.
No livro Cavar em ruínas, consagra Camilo Cas-
telo Branco um artigo à Vida picaresca, de que repro-
duz vários trechos, e, referindo-se à destragada influên-
cia de Gôngora, pregunta se, na história da nossa lite-
ratura, o vulto apoucado de Diogo Camacho não deve
ser posto na vanguarda da falange que resgatou as
boas letras, ou, quando menos; tornou amáveis a lo-
cução lusitana e a fidalga simplicidade de António
Ferreira e Camões.
VISÃO (A) do heroe da Ilha das Gallinhas. Fra-
gmento publicado na Gazeta do Povo em 1 de novem-
bro de 1872.
É paródia ao episódio do Adamastor.
Duas palavras sobre o assunto:
D. Antónia Gertrudes Pusich nasceu na Ilha de S.
Nicolau de Cabo Verde em 1805 e faleceu na cidade
de Lisboa em 1885.
166 POEMAS HEROI-COMICOS
Publicou prosa e verso; orou em público sobre
casos políticos e questões literárias.
Era filha de António Pusich, oficial dálmata que
desde 1793 militou em Portugal e prestou bons ser-
viços principalmente em Cabo Verde.
D. Antónia, quando viúva pela segunda vez, em-
penhou-se em fazer reconhecer o seu direito à posse
da ilha das Galinhas, no mar da Guiné, a qual ilha
havia sido outorgada a seu pai pelo respectivo ré-
gulo.
Nào lhe foi reconhecido expressamente esse direito,
mas o governo, que era regenerador, concedeu-lhe
uma pensão a título de indemnização pelos prejuízos
que sofrera.
Este facto deu origem a muitos ataques ao minis-
tério, presidido por Fontes, e a Visão do heroe é um
desses ataques... aliás ineficazes, porque ninguém
pôde descobrir
os segredos escondidos
Desta perla gentil de Bijagoz.
/
X
XAROPE (D.) É propriamente uma sátira política,
posto haja nela a permanência de um protagonista
sob diversos aspectos biográficos.
É de Cláudio José Nunes, e vem incluída no
PORTUGUESES 167
seu livro de versos — Scenas contemporâneas, Lis-
boa, 1873.
O protagonista —tanto a paíxào política cega os
homens! — era o boníssimo Pedro Augusto Franco,
depois 1.° conde do Restelo.
O título alude à sua profissão de farmacêutico.
ZELO (O) poema offerecido aos adoradores da Es-
tupidez, por Patrício Prudente Calado.
Avisado por Inocêncio (Dic. BibL, tom.3.°, pág. 11)
de que na livraria de Jesus — hoje da Academia das
Sciências — havia uma cópia deste poema, fui ali exa-
miná-la.
O Zelo tem 7 cantos, em sextilhas rimadas, e o seu
fim é desafrontar a Universidade do ridículo que so-
bre ela- lançou outro poema do mesmo género — O
Reino da Estupidez.
■ Transcrevo a proposição do assunto:
Canto o zelo do Génio, a quem Minerva
Deu a guarda da Athenas Lusitana.
Musa minha, tu desce, tu conserva
Em minha alma essa fúria soberana,
Que ateaste na mente de Cervantes,
Que tanto pede a raça dos pedantes.
158 POEMAS HERÓI-COMICOS
Fervia a papelada, que inspirava
O Rancor, e Inveja a vates pobres,
E sem rebuço impávida atacava
Illustres almas, e talentos nobres,
Das batinas, das becas, do Prelado
Querendo ver o crédito offuscado.
Teófilo Braga, no 3.° vol. da Historia da Universi-
dade de Coimbra, fez largas transcrições deste poema
(pág. 685 e seg.).
Outras sátiras saíram por esse tempo com o mes-
mo fim que O Zelo tinha em vista.
Vide Reino da Estupidez.
ERRATAS MAIS IMPORTANTES
Pág. 17, em a nota, onde se lê «na Officina (sic)» deve ler-se «na
Nfficina (sic)»
» 23, Cabulogia, lin. 3, deve ler-se «canto V do Camões, de Gar-
rett»
» 34, lin. 11, onde se lê «espia» deve ler-se «cópia»
» 39, lin. 10-11, onde se lê «Chasseseau» deve ler-se «Chás-
serean »
» 50, lin. 14, onde se lê «Canzarões» deve ler-se «Canzarrões»
» 63, lin. 4, onde se lê «no Hissope» deve ler-se «no artigo
Hissope »
» 67, lin. 1, deve grafar-se Hyssope (O). Porque no título dos
poemas conservamos a ortografia dos autores ou dos
editores; acrescendo que neste caso só assim ficará
certa a alfabetação.
y> 67, lin. 19, onde se lê «Lecussam» deve ler-se «Lecusson»
» 94, lin. 24, onde se lê «hazards» deve grafar-se «hasards»
» 103, lin. 14, onde se lê «possui» deve ler-se «póssuio»
» 114, lin. 24, onde se lê «lisonjam-no» deve ler-se «lison-
jeiam-no»
» 115, lin. 25, onde se lê «cisne do Vomga» deve ler-se «cisne
do Vouga»
» 146, lin. 19, suprima-se a última sílaba.
» 159, lin. 15, onde se lê «algum» deve ler-se «alguma» e na
lin. 16, onde se lê «espinho» deve ler-se «espinha»
índice
Págs.
Ao LEITOR 7
Agostinheida 9
António Caro 12
Balão (O) aos habitantes
da lua 12
Banheida.(A) 14
Batóteida (A) 14
Benteida . , 17
Bisnaga escolástica ... 19
Bolha (A) 19
Bravo (O) forneiro via-
jante 19
Burros (Os) 20.
Cabulogia (A) 23
Cafre (O) 25
Calouríados 26
Calouro (O). .... . 26
Camões em Coimbra . . 27
Campanha (A) do ôvo. ^ 27
Cartíada (A) 27
Casaqueida (A) 28
Caxorráda 29
Ceboh'adas (Os) .... 29
Págs.
Cerôto (O) 29
Chamorreida (A) . . . . ,30
Charlatanismo (O) ... 30
Chelaida (A) 33
Chicote (O) 33
Chumacinho (O) furtado. 34
Commendas (As) .... 35
Conquista (A) da cruz . . 39
Correiada (A) 39
Descida (A) de D. Miguel
aos infernos a pedir au-
xilio 41
Desertor (O) 42
Diabo Coxo (O) . . . . 44
Dois Joões (Os) .... 44
Douri-Vinhada 44
Epiphaneida (A) . . . . 45
Escolíadas 45
Espantosas acções d'An-
tão Broega 46
Estoleida (A) 49
Farfuncia (A) 49
Festa (A) de Baldo ... 52
172
POEMAS HEROI-CÓMICOS
Págs.
Filenaida 54
Foguetario (O). . , . . 54
Fradalhada (A) 58
Gaticanea 59
Genealogia paperifera . . 62
Graves nadas 62
Gregoreida 63
Herculeida (A) 65
Hóstia (A) de oiio . . . 66
Hyssope (O) 67
Jantareida (A) 76
Jericada (A) 76
Jornada ao Douro (Uma). 80
Jornada ás cortes do Par-
naso 83
Juízo (O) final e o sonho
do inferno 85
Lazareto (O) de Lisboa. . 85
Lobinho (O) Philologico . 86
Logração da prelasia re-
gular de Santarém . . 87
Longuinheida (A). . . . 88
Lusa (A) bambochata . . 89
Lusíadas (Parodias aos). . 90
Macarronea latino-portu-
gueza . 98
Mal (O) da Delfina ... 100
Malhoada (A) 101
Máquina (A) aerostatica . 112
Mariolada (A) 113
Medica Palestra .... 113
Meeting (Um) na Parvónia 1 13
Mendicaninjachia . ... 114
Ministrada (A) .... . 115
Modernos (Os) Lusos . . 115
Págs.
Momo ........ 115
Mondegueida 116
Monoclea (A) 119
Monteiropedes 121
Murraça (A) 122
Musicografia (A) . . . . 123
Na cidade da Virgem . . 124
Narigueida 126
Niveleida (A) 126
Padeira (A) de Aljubarrota 127
Paes (Os) da Mãe Pátria . 128
Palito métrico 129
Parodia ao poema de M.
Pinheiro Chagas ... 129
Pena de Talião 130
Perodana 135
Pinheirada 137
Poemeto heroi-comico . 139
Polifemo e Galatea ... 140
Portugal, Pedro, Pedrei-
rada 140
Pundonores (Os) desagra-
vados 140
Querculanaida 142
Quixotada 144
Raphaeleida (A) . . . . 145
Ratos (Os) da alfandega
de Pantana 146
Ratos (Os) da inquisição . 148
Reino (O) da Estupidez . 149
Revolução (A) 151
Roberto ou a dominação
dos agiotas 154
Rodrigo (D.) . . . . , 155
Saldanheida (A) . . . . 156
PORTUGUESES
173
Págs.
Santarenaida 157
Sapatos de setim azul fer-
rete 158
Tabaquinho 158
Toiros (Os) 159
Viagem mental ao templo
d'Apollo em Delphos . 160
Viagens (As) a Leixões. . 160
Págs.
Viagem no systema pla-
netário 1 62
Vida picaresca (Descrip-
ção da) 165
Visão (A) do heroe da Ilha'
das Gallinhas .... 165
Xarope (D.) 166
Zelo (O) ...... . 167
ACABOU DE SE IMPRIMIR
NA TIPOGRAFIA DA «RENASCENÇA PORTUGUESA»,
RUA DOS MÁRTIRES DA LIBERDADE, 178,
AOS 25 DE SETEMBRO DE 1922.
PORTO.
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PQ
9077
F55
Pimentel, Alberto
Poemas her(5i-c6micos
portugueses
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